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Tragédia na Boate Kiss, A Descontrução do Estado Continua – Armando de Oliveira Neto*

Assim que cheguei de volta a S. Paulo, no  fim de janeiro,  depois do incêndio na boate kiss, que já  causou a morte de 241,  pedi  para o psiquiatra amigo Armando texto a respeito de como as pessoas consomem com avidez notícias e detalhes de tragédias.  Pensava em uma explicação de o porquê isso acontece.  Armando, entretanto, me informou que abordaria outros aspectos do tema.  Fez o texto a seguir fora no interior, mas o pen drive em que salvara o arquivo apresentou defeito.  Só agora, conseguiu recuperar o arquivo   original.  Abaixo, as considerações dele, que jamais deixam de ser oportunas.

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Santa Maria e o Estado

A  tragédia ocorrida na boate Kiss, município de Santa Maria, certamente consternou toda a nação brasileira e o mundo.    No entanto gostaria de apresentar uma das possíveis leituras sobre o tema, tão documentado e falado pelos Brasis afora: a desconstrução do Estado brasileiro.

Em Medicina,  chamamos sintomas às manifestações dos mecanismos íntimos das doenças, a fisiopatologia: um germe, ao atingir determinado órgão, produzirá uma reação específica do organismo para combatê-lo (febre, dor, falta de ar, desmaio etc.) e a expressão física dessa luta entre microrganismo e o sistema de defesa são os sintomas.

O que ocorreu em Santa Maria é “uma crônica de uma tragédia anunciada”, ou seja, uma manifestação sintomática de uma fisiopatologia social em andamento, que se pode observar também espraiada por qualquer atividade em nosso mundo pequeno.  Exemplo: a rua  em que moro foi recentemente asfaltada. Pode-se notar que a cobertura é extremamente porosa e, próximos à esquina, dois buracos de cerca de trinta centímetros.

Onde está o sistema de controle de qualidade, de responsabilidade do Estado?

O gato comeu!!!

Mas o bichano é inocente: a controladoria está devida e “convenientemente” repousando, não em almofada de veludo escarlate, mas sim em algum saco de dinheiro, fruto de “acerto” entre empresariado e funcionários de tal repartição estatal, dentro da perversa lógica do “criar dificuldades (leis, regulamentos, normas, licitações, etc.) para se vender facilidades (o descarado suborno)”.
Essa praga mundial – amplamente divulgada por ONGs, como a Transparência Internacional – a corrupção está presente em todas as esferas de nossa sociedade, assim como sua irmã gêmea, a impunidade, mais notoriamente em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.

Santa Maria foi a mais gritante expressão dessa prática hedionda , nos tempos atuais:

1. O empresário ganancioso que construiu o seu “pulgueiro/armadilha” dentro das mais requintadas e eficientes normas para o barateio da obra, com economia a qualquer custo.

2. As estruturas fiscalizadoras do Estado, os fiscais e suas cadeias de comando que fazem votos de silêncio administrativo, sob a tutela anestésica do vil metal.

Dessa forma,  entendo que o ocorrido naquela triste noite de horror é um sintoma desse mecanismo decorrente da relação corruptor-corrupto, o agente patogênico, e o povo, o doente final.

Não é de hoje, pois,  a máxima citada acima data do Brasil colônia e tenho certeza que continuará por gerações de brasileiros, como previu Mino Carta, no programa Roda Viva da TV Cultura, há uns vinte anos: o país terá jeito em 250 anos.

A ausência do Estado fiscalizador (Executivo) e a consequente impunidade (Legislativo e Judiciário) são o resultado de um casamento entre o empresariado, ganancioso, e o sistema fiscalizador, que corre à rédea solta e é expressão sintomática da DESCONSTRUÇÃO DO ESTADO.
Como marco simbólico desse movimento aponto, à semelhança do primeiro tear mecânico como data do início da era industrial, a reforma dos Ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, convenientemente transformado em Ministério da Defesa, sob o comando de um civil, como forma de silenciar um setor do Estado que poderia representar uma possível ameaça ao sistema de não fiscalização do Estado.

Há algumas décadas o Sr. Agnelli, no pátio da FIAT, em Milão, discursou para os operários denunciando aquele casamento e divorciando o empresariado do Estado e propôs uma nova aliança entre o empresariado e os trabalhadores, culminando com o programa do judiciário italiano denominado “Mãos Limpas”. Mas durou pouco, após o assassinato do juiz que encabeçava esse movimento.

No Brasil,  houve a tímida investida do Sr. Antônio Ermírio de Moraes, que nem chegou a decolar, após sua derrota nas urnas, e o povo tem o que vota, ou o que merece.

Voltando à Medicina, a morte também traz um somatório de sintomas que a anunciam, possibilitando aos médicos preverem sua chegada.

E quanto ao falecimento do Estado?  Quantos outros sintomas serão precisos para que haja o diagnóstico de morte do Estado?

Mensalão, dinheiro na cueca, enriquecimento ilícito de funcionários públicos, escândalo em cima de escândalos a perder as contas; e quantas mais Santas Marias serão necessárias?

Que Deus nos proteja, pois se depender do Estado…

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Muito sério o que Armando expôs.  Já havia tratado do tema também, mostrando como a tal da impunidade vai gerando, ou impedindo, que novas tragédias se repitam; e não só no Brasil, mas no Mundo.  Se quiser ler, clique

* Armando de Oliveira Neto
Médico Psiquiatra Aposentado do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica
Do Hospital do Servidor Público Estadual
Médico Assistente do Hospital Infantil Cândido Fontoura
Professor/Supervisor pela Federação Brasileira de Psicodram

Brincar Com as Palavras e Com Fogo Deu Nisso – “Kiss em Chamas”

Muitas palavras que caem na moda são absolutamente tontas.  Balada é uma delas; Facul, ao invés de Faculdade, outra; não faltam exemplos.

Não bastasse a falta de charme, sujeitos, metidos a literatos,  lascam  a pena e cometem barbaridades, ao tentarem  construir metáforas  ou outras  figuras de linguagens, ou seja lá o que for.

Para descrever o espetáculo da boate Kiss, palco da tragédia em que já morreram até agora 236 jovens, Elisandro Sphor, o proprietário, produziu  texto com título de KISS EM CHAMAS, publicado no blog (www.projetopantana.blogspot.com – blog não mais disponível).  Afirmando usarem fogos de artifício, o literato Elisandro sai com a seguinte pérola, conforme está na Folha de S. Paulo de Hoje:

“Calor e Suor muito acima da média.  Nós colocamos fogo na Kiss, mas quem incinerou mesmo foi o Sandrinho.  Quase queimou o cabelo duma(sic) galera na frente do palco”.

Começar a usar palavras com mais responsabilidade já pode ser um início.