Armando, médico psiquiatra que sempre escreve aqui no Boca, está devendo suas sensatas reflexões sobre a tragédia na boate kiss, onde morreram mais de 230 pessoas, no fim de janeiro. O texto já está pronto, mas no computador da chácara dele; a cópia do pen drive apresentou problemas. Minhas considerações sobre o jovem morto em jogo recente do Corinthians já foram feitas. Conheça agora outra abordagem do tema.
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Recentemente foi noticiado que alguns torcedores do Corinthians conseguiram liminar, emanada do Poder Judiciário, para assistir ao jogo, no Estádio do Pacaembu.
Esse acontecimento poderia pertencer ao anedotário futebolístico simplesmente, mas entendo que esconde uma realidade muito mais cruel e perversa, como explico.
Cronologicamente, salvo melhor juízo, temos que:
1. A Conmebol, organizadora da competição futebolística em tela, emanou o Regulamento.
2. Todos os times, que nela se inscreveram, acataram esse Regulamento.
3. Durante o jogo, a que se refere a notícia, houve a utilização de um artefato pirotécnico, um sinalizador, que provocou a morte de um torcedor do time adversário.
4. Por infração ao Regulamento, que proibia o uso desse tipo de manifestação, o time do Corinthians foi punido com o bloqueio do acesso dos torcedores aos estádios, com o consequente prejuízo financeiro, o que ocorreu.
5. Alguns torcedores, inconformados com a punição, entraram com pedido de liminar, na Justiça, tentando fazer valer os seus “direitos de consumidor”.
6. Até aí, tudo bem, mas eis que, para surpresa, pelo menos minha, emerge, das entranhas do Poder Judiciário, uma autorização para que esses torcedores assistissem ao jogo seguinte.
É esse último passo que concentro minha análise, como a seguir exploro.
1. Há uma Lei/Regulamento específica da competição.
2. Houve uma transgressão a essa Lei/Regulamento.
3. Houve a aplicação da Lei, com a consequente punição.
4. O Poder Judiciário, que deveria ser um baluarte em defesa das Leis, de qualquer natureza, inclusive a desportiva, simplesmente esmaga, com a liminar, a Lei/Regulamento.
5. É a Lei ignorando e destruindo a Lei.
Ora, o que tal situação pode deixar de lição para o povo brasileiro?
Nada menos, nada mais, que a confirmação daquela máxima entre os advogados: “Lei não foi para ser cumprida, mas sim interpretada”, ou, na fala de certa autoridade do passado, “a Lei… ora a Lei…”!!!
Pode-se passar a entender que, para qualquer situação, o que vale é o interesse pessoal, como o de consumidor na questão aqui focada, e o respeito e a aceitação à legislação é um mero detalhe inoportuno, com a crescente descrença nas instituições de Estado.
Autofagicamente é o Poder Judiciário em ação, levando consigo o Legislativo também, em importante contribuição ao conceito que o Brasil é o país da impunidade.
Desta forma entendo que foi dado mais um passo no processo perverso de DESCONSTRUÇÃO DO ESTADO, impetrado no cotidiano de nossa historia.
Que Deus nos proteja, pois se depender do Estado…
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*Armando de Oliveira Neto
Médico Psiquiatra Aposentado do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica
Do Hospital do Servidor Público Estadual
Médico Assistente do Hospital Infantil Cândido Fontoura
Professor/Supervisor pela Federação Brasileira de Psicodrama