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“Alunos Expulsos de Passeio Por Fumar Maconha” Considerações de Médico-Psiquiatra

Mais uma vez, Armando de Oliveira Neto* ,  médico-psiquiatra, comenta notícia publicada na imprensa. Desta vez sobre protesto de pais contra escola que repreendeu os filhos por fumarem maconha durante um passeio a Pouso Alto.   Primeiro ele apresenta o fato; em seguida, faz uma bela ironia para então expor seu pensamento.

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“A FAMÍLIA EDUCA  A ESCOLA ENSINA E A IGREJA CONFIRMA E MANTÉM”

Armando de Oliveira Neto

No dia de Natal,  o Brasil foi presenteado com a notícia que pode caracterizar o pensamento de uma parcela significativa, e em crescimento, da população brasileira.
 

O jornal “O Estado de São Paulo, no Caderno Vida, Página  A 14, em reportagem com o título “Alunos são expulsos por fumar maconha”, em resumo, noticia que a Escola Britânica expulsou de um passeio à cidade de Pouso Alto, sul de Minas Gerais, três jovens de 16 anos, por fumarem maconha.  Os professores  mandaram de taxi os jovens de volta para o Rio.
 Na mesma reportagem, o jornalista Felipe Oda apresentou as considerações de:
1. um dos pais, que não se identificou: “meu filho foi tratado como um criminoso. Ele não é e não vou admitir que façam isso com ele”.
2. de um advogado criminalista, Sr. Nélio Machado: “A escola desrespeitou a dignidade dos alunos. Foi uma afronta aos direitos fundamentais dos menores. Os algozes (professores e diretor) foram insensíveis, desumanos, arbitrários e vão pagar por isso”.
3. uma educadora da Faculdade de Educação da USP, Sra. Silvia Colelo: “a postura da escola representa “o fracasso do diálogo”. A escola é um espaço de formação. Tem de se comprometer em educar os alunos também sobre valores, saúde e prevenção de drogas. É um espaço de preparação para a vida”.
4. outra educadora da PUC-SP, Sra. Madalena Peixoto: “repressão não serve de exemplo nem educa os alunos”.

 A seguir minhas reflexões sobre o tema: os quatro personagens, pai, advogado e educadoras,  deveriam ser condecorados, pela sociedade, enaltecidos e que deveriam servir de exemplo de como apoiar nossos pobres jovens oprimidos por professores carrascos.
 Assim essa situação poderia ser usada como modelo magnífico para ser seguidos por todos os pais de jovens nessa idade tão perigosa… e que assim seja!!!

 Mas preciso confessar minhas segundas intenções nas conclusões acima postuladas: é que sou psiquiatra e preciso ganhar a vida, dinheiro, dim-dim, para pagar minhas contas, principalmente os impostos que são tão bem aplicados em nosso país.
 

Esses pai, advogado e educadoras, com suas considerações tão bem fundamentadas, terão como  resultado lógico o apoio irrestrito e inconsequente ao uso de drogas, o que aumentará o potencial de uma população de jovens a usar e abusar, podendo-se tornar futuros drogaditos, portanto potenciais pacientes, de preferência em meu consultório, com resultado direto em minha conta bancária.
 O fomento às drogas poderá ser o resultado da maneira “moderna” de se encarar esse problema.
 A eles minha eterna gratidão financeira!!!

 Bem, sarcasmo a parte, aproveito para externar algumas opiniões a respeito de tão polêmico tema:

1. Quanto à paternagem: informo a estes pais que a função de educar é de original competência e responsabilidade da família, dos pais, e não de outras instituições. L. Althusser, em “Os aparelhos ideológicos de Estado”, escreveu que a Família educa, a Escola ensina e a Igreja confirma e mantém.  Pagar matrícula de R$ 20 mil e mensalidade de R$ 3,5 mil pode ser necessário mas absolutamente insuficiente para o exercício de uma paternagem que ensina RESPONSABILIDADE E CONSEQÜÊNCIA.
Na escalada – se é que esse termo seria apropriado – das espécies, quanto mais nos distanciamos da base, os comportamentos diminuem em suas raízes genéticas e adotam a modelagem comportamental, dado pelas relações sociais, fato ricamente documentado  pela Etologia (Lorenz, Bally e outros) e apresentada pelos estudos do Desenvolvimento dos Papéis (Moreno, Bermudez e outros).
O ensino do que é “certo/errado”, “justo/injusto”, “divino/profano”, enfim do “bem/mal” é dado pelo exemplo, o que nossa geração não está conseguindo fazer, como pode ser observado no dia a dia. Parafraseando o filósofo Mário Cortela (PUC-SP), não conheço nenhuma outra civilização tão desprovida de compromisso com a moral, aqui entendida dentro da concepção psiquiátrica de Sentimentos Morais, como a nossa – essa aí que está no poder, quer da política quer das universidades ou mesmo as famílias, tema deste escrito.

A ausência do pai-modelo está dando origem a uma geração de crianças, hoje jovens, amanhã adultos, na construção de enredos sem a noção de “mocinho/bandido”. Aproveitando, um recado aos ingênuos (respeitando-se a etimologia deste vocábulo): brincar com armas não vai produzir adultos violentos, mas sim os enredos das brincadeiras. Quando criança ao entrar nas tardes de domingo no clube, para assistir seriados, identificava o mocinho e o bandido pelos trajes (chapéu branco ou chapéu preto) mas principalmente pelo comportamento ilibado ou não.
É esse modelo pernicioso que pude constatar nesses pais menores e que me deixa preocupado e desesperançoso quanto ao nosso futuro.

2. Quanto ao advogado: entendo perfeitamente que essa maneira de se interpretar nossa legislação tenha como objetivo defender, com unhas e dentes, não só o seu cliente mas principalmente uma clientela futura e as consequentes incrementações em conta bancária e, com suas observações, certamente angariará simpatia, e adesão, de outros pais em circunstâncias semelhantes.
Dúvida: será que as mudanças em nossa legislação não estão, camufladas pelo ar de seriedade, exatamente a serviço do aumento da clientela dos advogados?  Lembrar que outras profissões, como a Psiquiatria por exemplo, também mudou conceitos a serviço desse mesmo oportunismo econômico.

O apoio à dignidade dos jovens que teriam usado maconha em excursão familiar parece-me muito próxima daquela dignidade de um assassino (de um chefe de família, ou de um funcionário de segurança de banco) ou de um traficante, o enaltecido direito civil do criminoso, ou de um jovem que, em racha, atropela e mata outro em túnel que deveria estar bloqueado.

Por falar em traficante,  a atual legislação traz à lembrança uma fala do Dr. Ângelo Gaiarça, conhecido e polêmico psiquiatra recém-falecido: a moral atual,e incluo a legislação, ocidental, burguesa, capitalista, de origem judaico-cristão, é basicamente hipócrita e mentirosa.
Entendo que o traficante existe pela simples existência do usuário.

Os acontecimentos policialescos da tomada de favelas nos morros do Rio de Janeiro, pela polícia e forças armadas, é consequência direta do consumo das drogas pelos “meninos do Rio” e “garotas de Ipanema” e seus pais coniventes e coniventes.
Mas o álcool, que traz malefícios físicos, psicológicos, sociais e familiares de peso incalculável, é legal em toda sua cadeia de produção e consumo, sendo que o motivo desta distinção, não se configurando objeto deste escrito, poderá ser desenvolvido em outra oportunidade.

Senhor advogado, é meu direito brandar que considero tanto o traficante como o usuário, no caso em tela, possivelmente os jovens em questão, criminosos, sim senhor!!!

A não ser que ocorra a liberação das drogas, o que não deverá acontecer pelos graves problemas econômicos decorrentes: como viveriam todos aqueles que tiram o seu ganha-pão da cadeia produção, distribuição e consumo??? – ou seja, o traficante, ou o “aviãozinho”, que leva dinheiro para casa (antes era o menino das laranjas, como dito na canção), ou o policial que “não vê o que acontece”, ou o advogado que os representa na luta da dignidade ameaçada, ou os médicos que tratam as consequências físicas e psiquiátricas, ou… –

Considero uma situação sem saída enquanto perdurar essa estrutura jurídica com seus paradigmas obscenamente contraditórios.

3. Quanto à  Educação: considero o termo Educação impróprio optando pelo Ensino pelo singelo motivo que educação é de responsabilidade da família.
Ao Ensino cabe ensinar… é minha opinião.

Em casa,  deve-se aprender o que é certo/ errado, e suas variáveis já citadas, o que é/era exemplificado no dito popular: “educação vem do berço”. Nesse sentido, cabe aos professores cobrarem dos alunos um mínimo de educação, condição básica para uma convivência social.

Sou de uma outra época: fui levado à diretoria de minha escola quando necessário (aprontava) literalmente pendurado pela orelha, ou tomava umas reguadas, de madeira e imensamente larga, em outras circunstâncias e, quando meus pais ficavam sabendo, quando chegava em casa, o que tinha feito “a porca torcia o rabo”…
Isso me fez mal, deixou-me traumatizado, sofrendo, marcado para o resto de minha vida, sendo motivo de análise por décadas…???  Não.  E ensinou-me os limites do outro, o respeito e a obediência às regras de convívio social.

Como estudioso da Etologia (Estudo Comparado do Comportamento Animal) sabe-se que qualquer desrespeito às regras hierárquicas, essencial à sobrevivência de uma determinada espécie, pode custar caro ao desobediente e mesmo ao grupo, podendo culminar com sua expulsão definitiva, o que poria em risco a vida do incauto. Isso acontece com elefantes, lobos, leões… e humanos.

Mas os professores perderam esses norteamentos.

Notei quando começaram a ser chamados de “tios ou tias”: era o início da horizontalização da relação professor-aluno. A perda da mais elementar regra social: o de classes diferenciadas, com seus respectivos direitos e deveres, citado na expressão “manda quem pode e obedece quem tem juízo”.
E não estou me reportando aos tempos de “Oliver Twist”.

Infelizmente o resultado dessa transformação pode ser exemplificado em cena que já pertence ao anedotário acadêmico: o argumento de um jovem estudante numa certa escola particular de São Paulo contra a repreensão do professor é que “o pai é que pagava o salário dele” e, pasmem, a “tese” foi aceita pela diretoria, certamente pelo mesmo motivo… e aí foi tudo pro brejo!!!

Concluindo: que professor ensine e COBRE, sem medo de ser feliz.

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*Armando de Oliveira Neto
Médico Psiquiatra
Aposentado do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica
Do Hospital do Servidor Público Estadual
Médico Assistente do Hospital Infantil Cândido Fontoura
Professor/Supervisor pela Federação Brasileira de Psicodrama