Dar Errado

Conto inspirador para  sexta-feira ensolarada.  Com os votos de que todos (e  todas) nós tenhamos  algumas tardes parecidas com essa  ao longo de nossas vidas.

Lá vai:

Ele estava sentado no banco de madeira em frente ao Café do Ponto do Shopping, conforme fora combinado. Parecia ter 25 anos e não  os trinta e nove  que realmente tinha, segundo me contara no Site de Relacionamento (leia-se paquera) AMIZADES, NAMOROS E TRANSAS. Trinta e cinco já era bastante jovem para mim, experiente  mulher de 47.
Ele lia a parte de Futebol do caderno de esportes da Folha,  mostrava-se  distante e entretido com  reportagem que falava das proezas do Neymar.
Olhei-me no espelho da bolsa. Estava ótima, principalmente, sensual e sedutora. Respirei fundo, contei até três e fui:
– Oi Roberto, tudo bem? Mas que agradável surpresa ver que você mantém a  plena forma  dos que ainda nem entraram nos trinta.
Levantou a cabeça, cumprimentou. E, rápido, dominou a cena:
– Pode me chamar de Ro. E você, qual seu apelido para os amigos.
– Flor, Flor, como lhe escrevi.
-É mesmo, que cabeça a minha…
– Chopp, café, suco, sorvete,  o que você bebe, Ro?
– Adoro  chopp, mas só bebo a partir das sete. Ainda faltam algumas horas. Que tal sorvete?
– Você é quem manda. Como diz a música, eu sou apenas uma mulher…
– Uma mulher, não, Flor. Você é a mulher. Uma chácara de Flores.
– Chácara de Flores, Ro? Nas mensagens você se mostrava bem mais  criativo.
– Ora, quando teclava com você, sempre deixava aberto ao meu lado dicionário, dicionário de regência  e livro com frases poéticas…
– Você é muito  espirituoso, isso eu já percebera desde o início.
– São os seus olhos, digo, ouvidos!!!
– Tô começando a me arrepender de ter vindo, você é melhor atrás de um teclado.
– Sério mesmo? Com essa você me arrasou.
– Brincadeira, bobinho. Você é uma graça, melhor do que a encomenda.
– Agora, eu é que tô começando a gostar da coisa.
– Sorvete do que, perguntei?
– Chocolate.  E você?
– Morango.
–  Posso dar uma lambidinha, ele perguntou.
– Não, eu disse!
– E no sorvete?
– Por favor, piada velha não!
– Eu perco a mulher, mas não perco a piada!
– Tirando as piadas, você é bem melhor ao vivo.  Aliás, nem parece a mesma pessoa…
– Já lhe disse, eu caprichava, era tudo quanto era  dicionário aberto,   para tentar impressionar você.
– De fato, você é  muito  diferente mesmo do que me pareceu no site.   É espantoso – parece outra pessoa.
– A propósito do site,” é namoro ou amizade”?
– Agora sim, acertou na piadinha.  Respondo: é amizade! Você está  com café no lábio.  Deixa eu limpar…
– Ei, você falou limpar e não dar selinho!
– Não gostou, Rô?
– Adorei. Que tal promover esse selinho a beijo, beijo de homem e mulher?
–  Aqui, Rô?
– Sim, só o primeiro, os seguintes podem ser na minha casa, a duas quadras.  O que acha?
– Acho cedo, mas topo. Só beijinhos, hein?!
– Lógico, beijinhos, nada além de beijinhos.
–  Ei, não desabotoa minha blusa, tem câmera no elevador.  Nossa, como você é atrevido???
– Atrevido não, arrojado.  Atrevido é adjetivo para político e empresário  safados. Arrojado, para John Mcenroe, Nélson Piquet , Mick Jagger e até para pessoas comuns, como eu.
– Você não tem nada de comum.  Mas pára de querer  tirar a  minha blusa!
– Nossa, eu nem fechei a porta e você já se livrou da blusa e até do Soutien!!!
– Meu próximo passo é rasgar a sua camisa.
– Não, eu adoro essa camisa!  Eu mesmo tiro!
– Aproveita e também se livra da calça.
– Mas  que  cama gostosa.
– Gostosa como você, merece cama gostosa.
– Acho melhor pegar seus dicionários…
– Eu vou pegar é a sua calcinha e” pendurar ela”  no lustre, isso sim!
– Nossa, mas que uísque perfeito para depois de uma transa perfeita.
– É o novo Jack Daniels.  Adoro.
– Rô, Rô.. Jamais poderia supor  que mero site de paquera   poderia me proporcionar tanto êxtase em uma única tarde.  Espero que a primeira de uma infinita série…

– Flor, Flor, posso confessar uma coisa para você?
– Lógico…
–  Não vou dizer que não tenho computador, porque seria mentira, mas não estou no Facebook, tampouco em qualquer outro site de relacionamento  e sequer sabia da existência desse tal de Amizade, Namoro e  Transas.
– Puta Merda, dei pro cara errado.
– Flor, é a tal História:  Quem dá errado dá duas vezes.  Meu nome é Carlos, muito prazer!!!

 

6 pensou em “Dar Errado

  1. Amigo Mayr,muito bom! Ontem teve “Virada Cultural” aqui em BH, e me esquivei de insídias que me fisgaram quando este teu amigo era mais novo e menos cínico. A madrugada de hoje me apresentou às candidatas do “golpe do suadouro”mais escorregadio, por atento.
    Minhas poucas incursões nas salas de pescaria de gente me fariam (fosse eu um bruto) a dar as costas e banar o sujeito errado-em retirada.
    presenteie seus leitores com mais contos,peço.
    Abraço do Pawwlow

    1. Caro Pawwlow:

      Elogio de amigo não vale. Mas fico contente que vc tenha gostado.
      Quanto à Virada Cultura, no seu lugar, eu teria preparado um texto pequeno para ler na ocasião. É muito legal falar para plateia grande. Muito legal mesmo!!! Da próxima vez, não deixe passar a oportunidade em branco.

      Tenho postado uns microcontos divertidos. Vc tem lido?

      Boa Semana!

      Abraços

      Paulo Mayr

  2. Muito leve, de saborosa leitura e com grande alusões ao mundo de hoje. Uma ótima crônica aos romances modernos…esses entre casais que não se conhecem. Ótimo humor e ótima escrita. Parabens

    1. Caro José Bandeira de Mello:

      Assim vou ficar convencido. Receber elogios desses de bom escritor não é todo dia.
      Obrigado pela força.
      Abraços

      Paulo Mayr

Deixe um comentário para José Bandeira de Mello Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.