Sete de Setembro – Papel do Herói e Manipulação

Final da Década de 70,  governo militar  cultuava os Heróis, sobretudo D. Pedro I, como se o caminhar da história  fosse responsabilidade de um ou poucos privilegiados.

O Jornal da República, do brilhante Mino Carta, teve vida curta: alguns meses de 1979. Eu  havia feito um curso na Faculdade de História da USP sobre como os heróis eram tratados pelo sistema. Propus abordar o assunto.  O Jornal da República gostou do tema e topou publicar meu texto,  no dia 8 de setembro de 1979.   Por questão de espaço,  foi reduzido.  Publico novamente na íntegra. O início descreve o filme publicitário da época com bastante fidelidade. Desde então, nunca  reli o texto. Mais de  trinta anos depois, digito-o abaixo.  Espero que eu goste e que o leitor também.

Lá vai:

Homens elegantemente uniformizados montam cavalos fogosos.  Um mensageiro aparece e entrega um pergaminho a Tarcísio Meira.  Não, não é Tarcísio Meira.  É D. Pedro I. A correspondência é de José Bonifácio, que pinta um quadro negro da situação do Brasil dependente de Portugal, ao mesmo tempo que coloca nas mão de D. Pedro I todo o destino de uma nação.  D. Pedro – Tarcísio Miera – não decepciona.  Ordena que seus acompanhantes se perfilem e, aos gritos, discursa:

– Eles querem nos escravizar.

Em seguida, enquanto balbucia alguns xingamentos, como “cachorros”  e “canalhas”, arranca os laços de seus ombros e do chapéu.  É chegado o momento da grande frase:

– Independência ou Morte!!!

E todos  seus acompanhantes repetem em coro:

– Independência ou Morte!!!  Independência ou Morte!!!

A imagem é congelada e substuída pelo famoso  quadro do pintor Pedro Amércio.

Isto é apenas um comercial.

De que???

Ora, do Herói!!!  Do que mais poderia ser???

Depois de assistir a essa propaganda, que tem sido bombardeado a todo instante nos canais de televisão, o raciocínio que toma conta da mente de todo mundo, crianças e adultos, deve ser mais ou menos o seguinte:

“Poxa, mas que sorte a nossa.  Se esse mensageiro não tivesse encontrado o D. Pedro no caminho, talvez até hoje o Brasil ainda seria uma simples colônio da Portugal.”

Todos os outros fatores envolvidos na Independência, como a transferência da corte de Portugal para o Brasil, que muitos historiadores consideram como  tendo, praticamente,  constituído a realização de nossa Independência; os interesses da Inglaterra de que o Brasil se tornasse independente para que o comércio pudesse ser feito sem que taxas fossem  pagas a Portugal; o peso do Partido Brasileiro, representante das classes superiores da colônia, grandes proprietários, nunca são levados em conta.

Para a grande maioria, fica retido na memória que a Independência do Brasil se deve a D. Pedro I, um português corajoso que resolve adotar o Brasil como Pátria.

Esse conceito já se tornou generalizado entre a maioria da população.  Através dele, infere-se que a participação política e importância histórica são privilégios de poucos “iluminados”.  O mito do herói, que faz sozinho a história, deve-se não só aos meios de comunicação de massa (isso mais recentemente), como também à historiografia oficial sobre o assunto.   A primeira publicação do Instituto Geográfico Brasileiro, em 1838, uma obra de cinco volumes de autoria de Varnhagen, que em sua época era considerado um grande fã de Portugal, já colocava a nossa Independência como uma dádiva de Portugal, via D. Pedro.  Seus livros eram a úncia referência de todos os outros historiadores da época.  Essa visão é até hoje transfmitida através dos livros didáticos de história

A supervalorização da figura de D. Pedro I no processo da Independência só foi revista muitos anos mais tarde, em 1933, por Caio Prado Júnior, em A Evolução Política do Brasil. Nesse livro, ao descrever o processo de Independência, o nome de D. Pedro I é citado uma núnca vez.  E é bom que se diga: a cena das margens do Ipiranga não é sequer mencionada.

Mas, afinal,  por que a história é colocada sempre como resultado de ações de determninadas personagens que acabarão se tornando célebres???

A primeira resposta para essa pergunta é evidente.  Uma história contada como uma sucessão de aventuras pessoais se torna muito mais interessante e digerível do que um onde estejam envolvidas leis econômicas, forças históricas e sociais.  Mais interessante, porém de pouca credibilidade.  Sidney Hook, em seu Livro O Hirói na História, conta que a escola  dos historiadores americanos que  se agrupa em torno de James Harvey Robinson e “New History” concebeu um relato impressionantemente realístico do passado da América.  Mas eles se equivocaram ao imaginar que estavam conseguindo substituir com êxito os heróis e grandes “para seguir o curso sereno das forças econômicas e socias: removeram os reis e generais de seus nichos e colocaram em seus lugares os grandes capitães da indústria e das finanças  e os grandes pensadores da filosofia e da ciência.”  O resultado não foi absolutamente satifsfatório.  Encontrou-se a seguinte citação na prova de um estudante: “Rockefeller, Gould e Morgam foram os homens verdadeiramente grandes da época; se, pelo menos, eles tivessem sido utilizados no campo político, como as coisas teriam sido diferentes.”

E o culto do herói e grandes homens conduzindo a história continua até hoje.  Isso acontece principalmento nos países totalitários.  Um determinado militar, que antes ocupava a chefia de um órgão policialesco de espionagem, pode e deve, ao subir muito de posto,  mudar rápida e completamente a imagem.  Concordam???  E não é que dá certo!!!

Hook afirma em seu livro: “aqui movamente os progressos técnicos nos meios de comunicação, aliados aos novos métodos psicológiso de arraigar crenças, tornam possível criar entusiasmo popular e idolatria pelo líder em um grau que supera qualquer coisa jamais obtida em Bizâncio,  onde um imperador romano foi capaz de erigir sua estátua, os ditadores modernos podem afixar um milhão de litografias. Utilizam-se de todos os meios que possam contribuir para a sua ascensão.”

Entretanto, os principais meios através dos quais as grandes personalidades interessam tanto ao homem comum e exercem influência sobre eles seão de natureza psicológica.

A primeira delas se basei na necessidade de segurança psicológica.  Se é verdade que o grande homem se imagina como o “Pai da Pátria”, muito mais verdade ainda é que seus seguidores o enxergam exatamente como um pai.  Isto está baseado na concepção psicológica de que muitas pessoas jamais se libertam dos pais, professores e outros pontos de apoio que servem só para suprir suas necessidades, quietação de seus medos e esclarecimento de suas dúvidas durante o crescimento, mas também funcionam como agente de dominação.  Assim sendo, sempre há pessoas querendo adotar um pai.  O herói tá aí para isso.

Quanto mais difícil se apresenta um período, mais propício ele é para o aparecimento de líderes.  Hook afirma que “nos tempos relativamente tranqüilos ,e  particularmente quando a educação se dirige à maturaidade,  a necessidade de um pai-substituto é correspondentemente diminuída.  Sob outras circunstâncias históricas em que não aparecem  grandes líderes e indivíduoas, alguma instituição como a Igreja, o Partido assumirá o papel primordial de autoridade.”

Outro mecanismo psicológico importante que é acionado para a aceitação do líder e herói é o de projeção.  “O homem comum compartilha imaginariamente a força, o brilho e o êxito dos heróis.” Novos elementos de sentido entram nas vidas daquele que são emocionalmente empobrecidos.  As disparidades e injustiças do cotidiano da vida social e, por vezes as dfeficiências e incapacidade pessoal, desaparecem gradualmente do centro de interesse.  O ego se engrandece sem esforço e sem ônus.”

Esses fatores psicológicos agem conjuntamente e são cimentddos nas consciências das pessoas por um outro sentimento:  o pavor de assumir responsabilidaes. Assim sendo, em cada comunidade surge um número reduzido de pessoas com desejos de assumir posições de lideranças.  “Desde que lhe sejam premitido resmungar, a maior parte das pessoas fica aprazivelmente aliviadas de encontrar alguém que façam suas tarefas; sejam elas, domésticas ou políticas.   A política é um negócio confuso e a vida é curta.  Submetemo-nos a grandes males, a fim de evitar a maçada de abolí-los.”

Assim sendo, na medida em que há interesse oficial de glorificar personalidades e uma tendência social de se entregar a lideranças, como diz o ditado popular, junta a fome com a vontade de comer.

Hook conclui advertindo: “quando nos negamos a mergulhar na voragem política para não perturbar nossa “vida normal” e confiamos o poder a outros, acordamos um  dia para verificar que aqueles a quem confiamos estão prestes a destruir “a vida normal” que receamos imterromper.”

Resumindo, o resultado da soma da fome com a vontade de comer, nesse caso de heróis e liderenças, será uma grande congestão, ou melhor, é uma grande congestão.

++++++++++++

É antigo, mas explica muita coisa.  Eu gostei.  Espero que você  também.

3 pensou em “Sete de Setembro – Papel do Herói e Manipulação

  1. Fora os muitos erros de digitação, muito bom texto.
    +++++
    Meu caro:

    Suponho que vc nem imagina o que seja pegar mais de duas horas da véspera de um feridado para ficar digitando/copiando novamente um texto de mil anos atrás, copiando de um xerox de algo escrito em máquina de escrever manual. Aliás, essa máquina permanece comigo até hoje. Eu sou de 1954 e meu pai a comprou de um amigo, salvo engano, em 1957.

    LM, fico muito contente com seu “muito bom texto”. Tenho o maior carinho por ele. Esse tema foi abordado/explorado por uma professora charmosíssima da Faculdade de História da Universidade de São Paulo. Suponho ter sido fiel aos ensinamentos de tão bela mestra. Aliás, salvo imenso engano, acho que ela leu esse material antes de eu mandar para o saudoso Jornal da República.

    Valeu, mais uma vez, obrigado.

    Abraço

    Paulo Mayr

    1. Bah, quanta desculpa. Já teve o trabalho de copiar, agora tenha o trabalho de revisar. Ainda dá tempo, o texto deve ficar aqui exposto por alguns anos. Mais capricho!
      ++++
      Vou fazer isso.
      Abraços
      Paulo

  2. Caro Mayr, ja li textos de Mino Carta sobre o Jornal da Republica, órgão mitológico no país onde jornais de combate desaparecem sem deixar rastros.

    Sugiro que escreva sobre este período, sua participação nesta aventura.Como sempre te digo, é um crime guardar tantas memórias sem dividir um pouco conosco.

    Quanto ao texto em si, é atualíssimo, no país que, desejoso de se livrar do acerto de contas com suas deficiencias e desafios, endeusa um herói , trabalhador, homem do povo,vindo do nada, que levantou a massa em estádios durante a ditadura, etc,etc, sem se perguntar quais interesses se articulavam para grandes botes sobre a Nação, naquele crepúsculo de Regime.

    Acredito mesmo,caro Mayr, que este infantilismo cultural e político não será superado no tempo de vida nem de nossos bisnetos,a julgar o nível educacional.Dos professores,não falo dos alunos.

    Abraços do Pawlow
    ++++++

    Caro Fernando:

    Publiquei, como freelancer, apenas esse texto e mais um outro no Jornal da República. Infelizmente durou pouco. Aqui não há muito a ser dito. Uma vez, quando trabalhava na Campanha do Franco Montoro, viajei com Mino Carta. Foi agradabilíssimo. Acho também que já lhe falei sobre o texto que fiz aqui sobre ele. E ele mandou uma resposta.
    Vou deixar os links para quem quiser ler.
    Meu texto, clique aqui
    Resposta do Mino, clique aqui

    Obrigado pelos elogios ao meu texto. Também gosto dele.

    Abraços

    Paulo Mayr

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