“Bullying” – Considerações de Um Psiquiatra

Armando de Oliveira Neto, médico psiquiatra, mais uma vez,  colabora com o Boca na tentativa de eluciadar acontecimentos importantes recentes.  Dessa vez, o tema é o “Bullying” que vem sendo considerado a causa do assassinato de 12 alunos em Escola do Rio de Janeiro, há menos de um mês.

O tema é doloroso, complexo e a compreensão do texto não é coisa fácil.  Mas vale a pena a leitura. 

“Considerações a respeito do “Bullying” – Por Armando de Oliveira Neto

Recentes acontecimentos estão sendo relacionados a um comportamento denominado “bullying”, sendo que o mais marcante foi à chacina ocorrida em escola no Realengo, Rio de Janeiro, o que motivou algumas reflexões.

Em nossa língua, pode-se traduzir o termo por bulinação que, em rápida consulta a dicionários, se entende como sendo o ato de provocação com segundas intenções ou mexer em alguma coisa, geralmente associado à temática sexual.

O jovem assassino atribuiu sua hedionda atitude ao fato de ter sido “bulinado” por colegas daquela escola, mas por análises feitas por vários colegas psiquiatras, citando, como exemplo, a do Dr. Guido Palomba, especialista em Medicina Forense, possivelmente tratava-se de resultado de produção psicótica crônica, de provável natureza esquizofrênica. Esta doença mental, quando acomete em tenra idade, produz graves mudanças de comportamento que chamam a atenção pelas bizarrices;  esse qualificativo é  uma marcante característica nesses pacientes, em função da interpretação pessoal e errônea da realidade, sendo a base do sintoma autismo, um dos pilares sintomatológicos psicopatológicos, como conceituou Bleuler.
Com esse colorido de comportamento,  jovens acabam chamando a atenção sobre si, sendo alvos de escárnio, ridicularização, rejeição e agressões morais e até mesmo físicas.

Em continuidade a esse raciocínio não se pode atribuir a causa desse comportamento execrável à bulinação, mas essa associação só tem como objetivo o desvio da atenção de uma análise mais profunda para fatores periféricos e distantes de uma realidade clínica.

A ação dos meios de comunicação, assim como alguns comentários menos embasados, correlacionando os assassinatos à bulinação acaba trazendo desinformação e incremento a posições preconceituosas sobre o tema.
Mas a bulinação também é associada a outras situações que levam a sofrimento psíquico, sendo a versão para crianças e adolescentes do chamado assédio moral.

Pode-se observar que, como é apresentado pelos meios de comunicação, esse foco também apresenta um viés parcial e incompleto, pois se evidencia os efeitos maléficos do indivíduo alvo dessa atitude, com direcionamento à vitimização, como se isso encerrasse a questão.

O “tratamento” seria função do Estado, responsabilizado pelas ações protetoras e evitatória de tal comportamento, o que muito interessa às políticas totalitárias de um certo modelo de atuação de governo, como denunciado por Orwell.

Há outro fator que, a meu ver, é tão ou mais importante para uma mais ampla análise do tema: o bulinado.
Em todos os mamíferos, que produzem vários filhotes e vivem em grupos, suas crias brincam de brigar, cuja finalidade é múltipla: desenvolver a musculatura, o equilíbrio e determinar o posicionamento hierárquico sob o ponto de vista de força e capacidade de luta, principalmente entre os jovens machos.
Nossos filhotes também assim o fazem, o que pode ser facilmente observado e registrado em vários estudos comportamentais, pelo acompanhamento das atividades lúdicas de crianças. Nossa cultura aperfeiçoou esses comportamentos, transformando-os em jogos competitivos, por exemplo.
Infelizmente, por vários fatores que fugiriam dos objetivos da presente peça, alguns jovens não conseguem apreender e aprender comportamentos de ataque e de defesa, tão necessários à adaptação social, com repercussões graves em termos de sofrimento.
Esse pólo, essa faceta, é um dos aspectos fundamentais para o “tratamento” desses jovens: o desenvolvimento de estruturas psicológicas egóicas, com a melhoria da competência dos comportamentos de luta/fuga, por meio de procedimentos técnicos psicoterapêuticos e para isso há a necessidade de reformulação do conceito exclusivo de vitimização, com o reposicionamento do jovem no sentido de inclusão de outro paradigma, isto é, a conscientização de que são também co-autores dessa situação, assinalando-se que não se excluiria as ações anteriormente apontadas nesse escrito.

Outro equívoco que se observa na imprensa leiga é a ideia que os indivíduos que sofreram bulinação desenvolvem doenças mentais, mas, para se chegar a esta conclusão, seria necessário um estudo da personalidade pré-mórbida, ou seja, jovens com indicativos de transtornos mentais, como personalidades que se desenvolvem com insegurança, imaturidade, dependência emocional, retraimento, medo, etc., teriam na bulinação um fator desencadeante e não causal.

Armando de Oliveira Neto
+++++++++++

*Armando de Oliveira Neto
Médico Psiquiatra
Aposentado do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica
Do Hospital do Servidor Público Estadual
Médico Assistente do Hospital Infantil Cândido Fontoura
Professor/Supervisor pela Federação Brasileira de Psicodrama

1 pensou em ““Bullying” – Considerações de Um Psiquiatra

  1. O seu artigo enriquece a discussão sobre o “bullying”.
    ++++++

    Prezada Lidia:

    Agradeço em meu nome e em nome do amigo Armando.

    Abraços

    Paulo Mayr

Deixe um comentário para Lidia Gallindo Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.