Bem humorado e com texto divertidíssimo, novo leitor do Boca No Trombone – Clerson Sidney Barbosa – comenta meu Post de ontem sobre determinada tentativa de Conciliação exibida no último Fantástico.
Quem ler primeiro o meu texto e depois o do Clerson pode entender melhor a coisa. Deixo o link http://bocanotrombone.ig.com.br/2010/04/19/fantastico-prova-a-liberdade-dos-barbaros-e-ilimitada-o-cidadao-que-se-dane/
Eu, se fosse leitor e, por alguma razão, só pudesse ler um dos dois, leria o Texto do Clérson, sem a menor dúvida. A seguir:
O Grande e Tragicômico Circo da Justiça – Por Clerson Sidney Barbosa
Vamos ao que eu penso. E não sou muito bom nessa coisa de pensar. Mas exercicio, seja ele mental ou físico, é sempre útil. Pois bem.
Essa história de conciliação apareceu pra solucionar um problema do judiciário que, pelas normas rigidas e pela cultura burocratizante do nosso Estado, não consegue dar ao cidadão a solução que ele busca na justiça.
Ou seja, tá na moda pra esvaziar prateleira dos cartórios.
Hoje se a senhora vizinha buscar no judiciário solução para os problemas causados pela senhora dos pássaros, vai ter que contratar um advogado (ou seja, vai arrumar um segundo problema – bem maior do que o primeiro).
Dai que o advogado vai pedir em nome da senhora vizinha que o juiz dê uma solução. Só que vai ter que pedir POR ESCRITO. Fazer em três vias (três vias é uma praga que vem desde quando Portugal dava as ordens no Brasil – uma via pro Rei, outra via pro comandante do navio, e outra via pro dono da capitania hereditária). Foi criada naquela época e nunca mais ninguem conseguiu mudar a cabeça do burocrata.
Vamos continuar.
Ai o juiz recebe duas vias (uma via fica com o advogado como protocolo) e manda intimar a senhora dos passaros ou seja, manda um oficial de justiça (em geral um resmungão que tem uma ou duas pastas lotadas de intimações), entregar a terceira via.
Ai a senhora dos passaros terá que contratar o seu advogado, (veja bem – dois advogados, um juiz e um oficial, já são quatro problemas – ou melhor, é o quinto problema, porque o primeiro era os pássaros no corredor, se é que você ainda se lembra), e comparecer à audiência para conciliação (sim, primeiro o judiciário tenta uma conciliação) em determinado dia. Dai que ficam a vizinha, a senhora dos passaros, os dois advogados, o juiz preocupados em não esquecer o dia – e dai que entram na dança também os estagiários.
Ai vão todos pra audiência de conciliação, onde estará o oficial meirinho resmungão tentando organizar a coisa, um escrevente sentado na frente de um computador, um juiz de beca, dois advogados de terno e gravata, a senhora vizinha, a senhora dos pássaros e, cada uma, por direito, trouxe três testemunhas, que estão lá fora preocupadas em não perder o dia do trabalho e por essa razão tão enchendo o saco do oficial do cartório para não esquecer de lhe dar atestados pra justificar a falta junto ao patrão.
Por ai se vê que o baile foi engrossando, e já tem muita gente dançando no salão.
Os pássaros?
Bem, estes estão lá no corredor do prédio, cantando e cagando.
Se não sair acordo. Serão ouvidas as testemunhas, uma de cada vez, com direito dos advogados em impugná-las e criarem embaraços que o juiz tá lá pra desembaraçar. E a conferir se o escrevente tá mesmo anotando corretamente o que as testemunhas dizem.
E os pássaros?
Tão lá no corredor, cagando e cantando…
Bom, depois de toda a papelada (em três vias, lembre-se – uma pro cartório, uma pro advogado da vizinha reclamona, e outro pra vizinha dos passaros), e de assinarem toda a papelada (em três vias), o juiz marca prazo pros advogados fazerem alegações. Ou seja, colocar no papel toda merda dos passarinhos. Digo, desculpe, a merda dos passarinhos ficou no corredor do prédio; no papel será colocado todo papo furado que essa encrenca causou.
Dai que depois dos advogados protocolares suas motivações (em três vias, não esqueça – uma pro processo, uma como protocolo do advogado, outra pro cliente), o juiz vai dar a sentença. Dai ele convoca um estagiário – que pra coisa miuda estagiário tá lá pra isso mesmo em qualquer atividade do mundo – pra pesquisar jurisprudência, porque não é todo dia que questão de passarinho aparece na frente dele)
Dai que ele arma uma sentença, onde diz isso e diz aquilo e fundamenta com sabedoria juridica (essa filosofia livre capaz de produzir os mais diversos absurdos).
A sentença é em tres vias. Uma pro processo, outra pro registro, e outro pra publicar no diário oficial.
Ah…. lembra dos pássaros?
Tão lá no corredor, esparramando alpiste, cantando e cagando…
Dai que quem perde não se conforma e apela pro tribunal.
Nisso os passarinhos até já trocaram de pena mais de três ou quatro vezes.
E dai que se escreve uma porrada de papelada de novo, o processo fica grande e, como criança grande, sai correndo por ai fora de controle. Ninguém sabe por onde pode andar, perde-se nos cartórios, nos escaninhos, deixam todo mundo careca, e abarrota as prateleiras. Papel, papel, papel…
Nisso, os passarinhos não são mais duas gaiolas.
Já são mais de dez, porque foram dando cria e foram se reproduzindo. E o processo mal chegou no tribunal…
Infelizmente, é isso que acontece.
Em qualquer outro pais civilizado haveria um juiz de plantão, haveria a parte que diria suas razões, e a outra que assentaria suas contra razões, e uma decisão verbal, dada na hora, só registrada por uma taquigrafa. E um policial pra obrigar a cumprir a decisão.
Todo resto é invenção nossa, homos brazilis!!!
Ô Paulo, ficou bom. Legal e obrigado. Espero que nao ofenda ninguém. Um abraço.
alfredo sternheim disse: 20/04/2010 às 17:51O seu comentário, Paulo, é ótimo. O do Sidney também e debochadissimo. Feliz na repetição do “cagando e cantando” (ou é o contrário? ) em relação aos passaros. O programa do Fantástico seria cômico se não fosse trágico em sua conclusão. Imperou o caráter impositivo da vizinha egoista e do sindico bola murcha que deixa em área comum os pássaros cantando e cagando (ou será o contrário?) E o intermediário, estudante de direito, não pareceu ser firme, deixou a dona dos pássaros (eles ainda vão se revoltar como no filme do Hitchcock) a se manifestar de jeito rude com a vizinha culta. O Fantástico e os dois textos aqui publicados provaram como nossa Justiça é leniente, lerda, uma instituição a qual não se pode apelar. Agora a vizinha vai ter que aguentar os pássaros por 3 anos no mínimo. Eu tive problema semelhante com vizinho do andar superior que se recusava consertar vazamento de água fétida vindo de sua residência em meu teto e até nos buracos das tomadas eletricas. Só qdo. , quase 3 anos depois, apelei para Tribunal de Justiça que concedeu em nome da sgeurança do prédio (podia haver um curto circuito com a água saindo pelas tomadas dos plugs eletricos) o bloqueio total do uso de torneiras, descargas e etc, no apartamento acima, é que finalmente foi feito o conserto, a troca do texto do meu banheiro que tinha apodrecido com a infiltração. Esswa nossa Justiça que só ahora, 10 anos depois, vao julgar os eventuais assassinos do Celso Daniel. Enquanto isso, o jornalista Pimenta, assassino confesso e condenado a 19 anos de cadeia, está solto aguardando em liberdade as suas apelações jurídicas. Em tempo:alguém sugeriu um gato para a vizinha. Sugiro dois na área comum. Ou um gato e um cachorro
EM Tempo: tinha colado esse comentário no blog dos aviões. Perdão pelo erro. Voei
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adorei o post
Buscar a Justiça para resolver os conflitos do cotidiano é uma prática comum do nosso povo. É cultural.
Como bem lembrou o Clerson, nos EUA a Justiça é mais célere e assim mais respeitada.
No Brasil as leis são feitas para serem burladas.
Há muita gente que usa a lentidão da Justiça em benefício próprio. Assim se deve, tenta fazer um acordo quase impossível, fazendo uma proposta indecente e depois dispara:
Se você não aceitar a minha proposta, vá para a Justiça. É o jeitinho brasileiro entrando nos meandros judiciais através dos inúmeros recursos e instâncias.