Frio, Gays e Saudades do Pirandello

De 9.05.07

A propósito do frio de hoje, um caso divertidinho. Há muitos anos, estava assistindo a uma palestra sobre gastronomia. O Palestrante era Gay. Aí eu perguntei:

– Eu tinha uma professora francesa muito fresca que dizia que não se pode tomar sopa no Almoço. O que você acha?

Ele disse que era a maior besteira que já tinha ouvido. O legal mesmo foi o início da Resposta dele. Com a voz e a entonação mais afetadas possível, fuzilou:

– FREEESSCA MEESSSSMO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Aproveito o embalo para mandar ver mais uma, que, digo sempre, foi o emprego mais divertido do QUIÇÁ “qui” já ouvi.

Estava chegando no fabulosíssimo e saudosíssimo bar Pirandello com um amigo, que é saudado em alto e bom som pelo Maschio, dono do bar, gay assumidíssimo, para abusar dos superlativos:

– Fulano, O Homem que eu queria ter na minha cama; quiçá na minha vida!!!!!!!!!!!!!

Saudades do Pirandello!!!!!!!!!!!!!

Termino com uma frase minha: “para a psicanálise, a família é o segundo útero”; e o bar, o terceiro.

PROIBIDO POR LEI

De 23.02.07

Minha tia Ciloca – carioca -, jogadora inveterada, era categórica:

– Baralho de plástico deveria ser proibido por lei!!!!!!!!!!!!!!

Se é idiossincrasia dela, não sei. Afinal, faço poucas coisas na vida pior do que jogar cartas. Agora, que inúmeros comportamentos e atitudes deveriam ser proibidas por lei, ah deveriam ser mesmo.!!!!!!!!!!!!!!

É lembrar daquela velha máxima “a liberdade de cada um vai até onde começa o direito do próximo” e perceber que o mundo atual (Brasil, nem se fale!!!!!!!!!!) virou barbárie. A coisa tá de tal modo dissipada que nem lei, propriamente dita, dá jeito. Afinal, como bem disse minha professora francesa, “no Brasil, algumas leis pegam e outras não”. Uma francesa que se mudou para o Brasil, provavelmente por não conseguir sobreviver na sua terra, dizer isso me revoltava, mas sou obrigado a concordar com ela.

Parece que existe mesmo há muitos e muitos anos uma lei que proíbe fumar em restaurantes. Proíbe e ponto. Eu exigir que os fregueses dos restaurantes que freqüento usem camisas vermelhas seria idiossincrasia minha. Querer comer sem inalar fumaça de cigarro não ser direito de cidadão algum é verdadeira afronta.

E afrontas são o que não faltam.

O celular, então, é o instrumento predileto dos búfalos afrontadores. Estava em um restaurante japonês despretensioso na hora do almoço e uma médica começa a gritar:

– Então quer dizer que a Maria tá mesmo com câncer!!!!!!!!!!!!!

Ora, esse problema e esse estresse são dela e da Maria (eram, porque talvez a Maria nem exista mais) . Ninguém têm o direito de ficar gritando que alguém está com câncer no meio do almoço de dezenas de pessoas. No mundo do celular, gritar coisas íntimas e impróprias virou a norma. Segundo me contou o diretor de um clube da elite paulistana, um associado desse clube estava em um clube também sofisticado na Argentina e pôs-se a bradar no celular. Imediatamente, um funcionário veio comunicar que ali havia cabines para usuários de celulares.

Aí, pode ser idiossincrasia mesmo, mas não é só minha. Basta falar, ou até mesmo falar mais alto:

– Telefona pra mim.
Pode até repetir, mais alto ainda.
-Telefona pra mim.
Agora, colocar o dedinho na boca e o dedão no ouvido para significar exatamente Telefone para mim, ah isso devia ser mesmo proibido por Lei. Estava assistindo televisão com uma conhecida minha, no intervalo, durante a propaganda, o ator fez o tal gesto. Minha conhecida:

-Deviam cortar a mão de quem faz isso!!!!!!!!!!!!!!!!!

Os búfalos lights devem se achar educadíssimos porque o celular deles não toca Pour Elise no Cinema: limita-se a emitir jatos de luz no olho do vizinho. Ora, tenha a paciência!!!!!!!!!!!! E que carência afetiva é essa que não permite a pessoa ficar duas horas quieta sem se preocupar se está ou não sendo de alguma forma desejada.?????
Os lugares públicos foram transformados em permanentes recreios de crianças do maternal (búfalos é mais delicado???)l!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Aliás, na rede Cinemark de cinema, antes de o filme começar havia o seguinte aviso:

– EVITE FALAR ALTO

Como dizia uma ex-namorada, deixa eu entender: quer dizer que pode conversar a vontade e, se for possível, solicita-se aos búfalos que não gritem?????????? E o que mais as pessoas fazem no cinema é exatamente conversar e fazer barulho com o papel de pipoca. Certamente elas acham que quando os personagens estão em silêncio, a senha tá dada para uma troca de idéias, como se estivessem vendo um DVD em casa!!!!!!!!!!!!!! Desejar silêncio na sala de cinema virou idiossincrasia; conversar, direito de todo e qualquer búfalo.

No banheiro, na hora de enxugar as mãos, além de não ter a opção de escolher entre a tradicional toalha de papel e o famigerado secador elétrico, o cidadão ainda tem que agüentar lição de moral ecológica. Uma plaquinha na máquina explica:

– Ao usar esse aparelho, você está economizando árvores!!!!!!!!!!

Ora, se for assim, o coerente é proibir sapatos de couro. Suponho que a cada 15 segundos o atrito de solas de sapato com o solo, quer de cimento, ou de barro, consome de três a quatro bois em couro. Até você ler o final desta gracinha, pelo menos dois bois já terão sido consumidos, só para esse fim- solas de sapato -. Vamos exigir um pouco de coerência, pelo menos do desinfeliz que decidiu colocar a plaquinha ecológica no enxugador de mãos. Mas sou obrigado a lembrar ao autor das plaquinha que tênis também consome borracha. Olhem que cena grotesca: aquelas árvores imensas atrozmente sendo golpeadas por perversos seringueiros que lhes sugam o látex!!!!!!!!!!!!!!!

Almoçar, jantar sossegado tendo direito a conversar com um amigo ou mesmo ao silêncio também virou idiossincrasia. A televisão tá ligada o tempo todo em praticamente todos os restaurantes. Como digo sempre, vejo o Jornal Nacional e janto todas as noites, mas faço uma coisa de cada vez. Impingir ao cliente que jante assistindo aos detalhes do crime do dia, definitivamente, deveria ser proibido por lei!!!!!!!!!!! Falo sério: lei mesmo!!!!!!!!!!!!! Televisão ligada em bares e restaurantes deveria ser permitida em uma única ocasião. Jogo de futebol do Brasil em Copa do Mundo. Aliás, sugiro aos críticos de restaurantes que façam uma campanha para que sejam retiradas toda e qualquer televisão de Restaurantes, mesmo as que exibem vídeo- clips. Televisão durante o jantar, todo e qualquer búfalo tem o direito de ter, mas somente em sua casa ou na casa de colegas búfalos. Não posso exigir restaurante com teto lilás, mas… Ponto final nesse assunto!!!!!!!!!!!!

E o som ambiente que, como eu digo, só faz infernizar o ambiente!!!!!!!!! Onde quer que se entre, a música tá no último furo. Já passei em frente a lojas chiquíssimas do shopping Iguatemi em que as balconistas estavam se divertindo com programas popularescos, certamente produzidos – como diz o próprio nome – para atender às camadas populares (dando uma pseudo e pretensiosa sofisticação ao artigo e, concomitantemente, não sendo politicamente incorreto).

Politicamente correto, sob todos os aspectos, principalmente do ponto de vista da higiene, seria proibir que os pães fossem colocados sem qualquer proteção no balcão entre o funcionário e o público. Ou seja, todos esses produtos ficam recebendo saliva – democraticamente – tanto do consumidor quanto do funcionário. É óbvio que todo e qualquer produto desembrulhado pra venda deve ser colocado atrás do funcionário. Essa falta de higiene acontece em praticamente todas as padarias. Há grandes padarias onde, inclusive, panetones, bolos devidamente desembrulhados estão pelo meio do corredor. Mandei email a esse respeito para o órgão competente. O burocrata de plantão me mandou uma resposta que eu não consegui entender. Mandei de volta email dizendo que era jornalista formado e que mesmo assim não consegui entender coisa alguma do que ele escrevera. Providências mesmo, nenhuma!!!!!!!!!!!!

Ainda questões de higiene. Nos supermercados da, provavelmente, maior rede do país, azeitonas, picles, frutas secas estão colocados pelos corredores. O público mesmo é quem se serve. Quem quiser, passa, abre ali, pega uma azeitona. Muitas vezes aquela colher cujo cabo foi manuseado por todo mundo ad infinitum cai dentro do produto. Pedir providências do órgão responsável pela higiene é idiossincrasia???? Eu não compro em hipótese alguma pães expostos à saliva coletiva (até rimou, hein!!!!!!!!), tampouco esses produtos sem embalagens espalhados pelos corredores!!!!!!!!!!!! Mais uma coisinha só a esse respeito. O sindicado de bares, restaurantes, padarias, etc deveria passar orientação ensinando funcionários e até mesmo proprietários que não se pode por o dedo na língua antes de pegar o guardanapo que vai ser usado para servir o freguês que pediu um salgado.

Aliás, seria interessante também que a Produção e Direção de um dos mais conhecidos artistas da TV Brasileira ensinassem-lhe que não é nem um pouco agradável para milhões de telespectadores assistirem a ele esfregando a língua em três ou quatro dedos (ou será o contrário???) toda vez que vai mudar a página de algum livro ou documento. Se esse artista, que freqüentemente jacta-se de ter sido educado na Europa, é capaz disso, fica difícil/impossível supor que uma única linha deste texto terá qualquer serventia. Permitam Deus, Marcelino de Carvalho e Cláudia Matarazzo que eu esteja sendo pessimista demais.

Há muitas outras coisas ainda a serem comentadas, mas, frasista, termino com uma frase minha:
O problema grave é que o bê-a-bá do óbvio mais ululante é um imenso bicho de setecentas cabeças para a imensa maioria.

IRMÃOS

De 19.01.07

Segunda-feira ensolarada à tarde, há cerca de 20 anos. Vi pelo espelho interno do carro que atrás de mim estava grande ídolo do Brasil. Logo adiante, no semáforo vermelho, ficamos lado a lado. Naquela época não havia essa obsessão por vidros negros/à prova de bala, e ambos estávamos de janelas abertas (em tempo, não tenho, nunca tive e nem pretendo ter os famigerados vidros pretos). Pois bem, ele olha para mim. Aceno. Demonstrando imensa irritação pelo meu “imenso atrevimento”, ele levanta o braço esquerdo, como que me mandando passear, ou para lugar muito mais longe, e vira o rosto.

Três anos atrás, estou no Itaim Bibi trancando a porta do carro que acabara de estacionar. Na calçada, ao meu lado, sujeito conhecidíssimo que na hora não consigo identificar. Parece que existe um tempo determinado limite pelas normas de boa convivência – talvez de três segundos ou quatro segundos – que nunca deve ser ultrapassado quando se olha para um desconhecido. Como não se tratava de desconhecido e a sensação de não me lembrar me incomodava, ultrapassei em muito esse tempo. Ao contrário do primeiro, que uma olhadela e um ingênuo aceno foram suficientes para causar-lhe imensa irritação, um sorriso ilumina seu rosto de galã de cinema e, com sotaque carregado do Interior, me saúda:

– Boa tarde!!!!!!!!!!

Retribuo o cumprimento e o sorriso mas ainda leva alguns instantes para me lembrar de quem se tratava.

O primeiro era o Sócrates; o segundo, o Raí.

Durante um tempo fiquei encafifado com a diferença de astral entre eles. Depois me dei conta de que meu “encafifamento”, esse sim, era um despropósito. Na minha família mesmo – entre meus irmãos – há dois Raís, minha irmã mais velha e eu, um Sócrates e outros que, embora não sejam Sócrates, estão a léguas de Raí.

JUVENAL E SILVIA

De 9.01.07

Sílvia era notívaga inveterada. Já o saudoso jornalista e poeta Juvenal, ao que tudo indicava, parecia não ter tomado conhecimento da invenção do relógio.

Não me lembro exatamente onde fui apresentado à Silvia. Lembro-me, entretanto, que era alta madrugada e ela ainda não havia jantado. Percorremos o centro da cidade em busca de restaurante aberto. Salvo engano meu, apenas o La Farina na praça Júlio Mesquita estava funcionando – prestes a fechar, afinal já eram mais de quatro da manhã.

A conversa dela era ótima. Ela adorava conversar. E ela jantava e conversava com a tranqüilidade e sossego como se fossem oito horas da noite e o restaurante tivesse acabado de abrir. Ela me contou, entre outras coisas, que na juventude havia namorado famoso líder estudantil da década de 60, na época verdadeiro galã, que mais tarde viria a ocupar postos chaves no governo Federal. Você o conhece. Garçons, naturalmente, loucos para irmos embora. Quando, finalmente ela acabou o jantar, o sol brilhava forte. Alguns dias depois, novamente eu e a Síivia ficamos a noite inteira conversando.

O Juvenal, de quem fui sócio em uma micro-editora, constantemente me fazia lembrar a piada do menininho judeu ou turco, dependendo do gosto de cada um, que pedia R$ 50,00 para o pai. O pai argumentava:

– Quarenta? Pra que trinta? Se 20 é muito, leva dez e traz cinco de troco.

Quando marcávamos encontros profissionais para o dia seguinte, Juvenal não explicitava a coisa, mas devia pensar mais ou menos assim:

Oito horas da manhã????, se 10 é cedo demais, a gente marca pra 12, chegamos às 3 da tarde, batemos papo até as 6 e lá pelas 10 da noite a gente começa a trabalhar. Dizia para ele que era isso que se passava na sua cabeça; muito raramente nossas reuniões de trabalho começavam antes de umas quatro ou cinco horas após o horário estabelecido. Era de enlouquecer!!!! Mas tenho saudades do Juvenal, da nossa Editora em uma garagem no Sumaré e do Guengo, outro sócio, que lia pela mesma cartilha do Juvenal ou pelo mesmo relógio do amigo. Bons tempos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Apresentados Sílvia e Juvenal, lá vai a história:

Muitos anos antes. Eram mais de seis da manhã, Juvenal e Sílvia conversavam na sala de visitas da casa dela. O pai, psiquiatra famosíssimo, aparece lá em cima da escada e pergunta para a filha se já não era hora de ela acabar o bate papo e ir dormir.

Sem jeito, Juvenal se despede. Quando ele já está na Rua, o velho aparece lá em cima na janela e grita:

– Agora vai dormir até às cinco da tarde, né comunista de merda???????

FASCÍNIO PARTE 3 – “MUITO ALÉM DO JANTAR”

De 14.12.06

Esse conto, com um pouco de sexo, drogas e rock&roll, conforme já disse, foi escrito anos e anos antes de o fato acontecer aqui no Brasil. Conforme já contei também, uma amiga estava produzindo uma espécie de sarau e pediu que as pessoas lhe enviassem seus escritos. Enviei-lhe esse conto. Como era trabalho para ser lido em público e que talvez pudesse ser publicado, escrevi uma nota introdutória explicando e deixando bem claro que era mera ficção e que usei os nomes verdadeiros dos principais personagens porque, por mais que minha imaginação fosse fértil, eu nunca conseguiria criar perfis tão bem acabados para o meu objetivo. Minha amiga leu o conto e a explicação e, inconformada, me ligou:
– Ah, que pena – eu achei que era tudo verdade!!!

Leia o conto e veja se vc também queria que fosse verdade. De minha parte afirmo: não só queria que fosse verdade, como, principalmente, queria ter participado dessa noitada.

Detalhe: uma das heroínas desse episódio – MUITO ALÉM DO JANTAR – tem o mesmo carro e se dedica ao mesmo filósofo da Renata. Seria simples corrigir isso, mas tive e, pior, tenho preguiça.

Feliz Natal e fabulosos anos novos até meados do sex 21 para todos nós!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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Luis ligou para meu escritório dizendo finalmente ter marcado o jantar na casa dele com Roberto para sábado.

Fiquei uma fera. Era o dia do Show. Embora a imprensa tivesse anunciado que a apresentação no Pacaembu seria única, não era verdade. As grandes estrelas, quando passam por aqui, na mesma noite do show no estádio, costumam se apresentar em uma boate para aproximadamente 500 pessoas. Após esse espetáculo, sempre ficam para o coquetel e jantar. Algumas delas são verdadeiras vedetes. O Pavarotti, na primeira vez em que veio a São Paulo, era um sujeito amável e simples. Pediu para ir jantar com todo mundo em um restaurante típico brasileiro. Tomou uma jarra de batida de limão (de pinga) e comeu vatapá. Agora, depois de ter se tornado um mega star, já se comporta como uma prima-dona. Mas, em geral, são simpáticos. Sobretudo comigo, mulher morena, bonita, sensual com tempero brasileiro e classe européia.

Lógico que esses shows para audiências restritas são sempre muito caros. Nunca menos de 2.000 dólares por pessoa. Eu já havia comprado e pago nossos ingressos. Era uma surpresa para Luís. Só lhe contaria no dia. Afinal, a surpresa acabou sendo minha. Imaginei que durante o jantar, a cada cinco minutos, teria vontade de ir ao banheiro, abrir a bolsa, olhar as entradas e chorar um pouquinho. Poderia até fazer isso. Mas não contaria jamais para ele que tinha comprado os ingressos. Pois sabia que estava almejando a vice-presidência da empresa; o jantar bem produzido com o presidente-executivo, sua mulher, por coincidência filha do acionista majoritário, seria decisivo.

E produção era o que não faltava. Luís pediu que eu cuidasse de tudo. Decidimos o cardápio e não tive dúvidas, liguei para o bufê dos grandes jantares de São Paulo e fiz a encomenda. No sábado, por volta das três, chegam com toda parafernália necessária:

– A senhora escolhe sua toalha de mesa preferida e pode ir para o cabeleireiro que a gente se encarrega de tudo, disse o eficiente e ligeiramente pedante chefe da equipe.

Lembrei-lhe novamente o combinado com o gerente: eles deveriam deixar a coisa encaminhada, eu cuidaria do resto. Às seis, não queria mais ninguém em casa – enfatizei.

Eram verdadeiros artistas. A mesa estava linda, os arranjos de flores deslumbrantes, a comida com aroma indescritível e o bar arrumado de tal forma que eu seria capaz de fazer montes de dry martini de olhos fechados.

O interfone toca, oito horas, pontualmente.

Fomos esperá-los na porta do elevador. Surpresa. Gabriela estava sozinha.

– Papai ligou há cerca de três horas convocando Roberto para uma viagem a Buenos Aires. Agora, devem estar quase pousando. Tá vendo o que te esperava na vice-presidência, Luís? Já que o chefe está longe, acabemos com as formalidades. Sorri, enquanto tira o blazer.

Sob o blazer de Gabriela, uma camiseta de seda preta com alças e decote nas costas até a cintura, velando quase nada do corpo escultural. Luís e eu ficamos embevecidos. Tudo era perfeito: costas, ombros, bocas e seios se destacavam.

– Estou fissurada para experimentar seu famoso dry martini, Elza. Posso ajudar você a preparando os copos.

Pega a faca mais afiada e, em menos de três minutos, põe em cada copo verdadeiras mini esculturas de casca de limão e azeitonas. Ao se inclinar sobre o balcão, os duros bicos dos seios se mostram. Seu sorriso maroto olha para mim e Luís.

– À uma noite de prazeres! – Gabriela brinda.

Quando ponho o último disco de Marina, faz um gesto com o indicador pedindo para nos aproximarmos e, fingindo vergonha, sussurra aos nossos ouvidos:

– Parece coisa de fanzoca boba, vocês vão até rir de mim. Essa camiseta aqui, foi a Marina que me deu. Sou muito amiga dela.

Diz isso, levantando o ombro direito, ao mesmo tempo inclina o rosto até o ombro, com os dedos longos, traz a alça aos lábios, fecha os olhos e beija a blusa.

– Fanzoca boba, nada. Olha o que eu tenho aqui na gaveta, falo enquanto apanho os ingressos.

Luís pergunta por que não falei nada. Em poucas palavras, disse saber que ele queria muito oferecer o jantar ao Roberto. Orgulhoso da minha deferência, sorri.

– Não é possível, diz Gabriela. Se você soubesse o que já deu de briga entre mim e o Roberto por causa deste jantar marcado no mesmo dia dos Rolling Stones. Agora, ele lá com meu pai, certamente se preparando para ouvir tango, e nós três aqui. Aqui e com a cabeça no Mick Jagger!

– A gente pode jantar tranqüilamente e ir para lá, expliquei.

– Mas como, o show deve começar em menos de meia hora?, diz Gabriela.

Ela não sabia da história da segunda apresentação e ficou absolutamente enlouquecida com a possibilidade de ver os Stones cara a cara.

– Luís, tira da cabeça a preocupação com a vice-presidência. Você é o preferido do papai e do Roberto. Também é o meu preferido. Eu tenho 50% das ações da empresa. Vice-presidência é assunto encerrado. Vamos ao prazer, comme il faut: com o dever cumprido e a consciência tranqüila!

Diz isso e acende um baseado que tirou da bolsa, magistralmente enrolado em papel de seda lilás.

– Para todos os prazeres! exclama , como se fizesse novo brinde. Fecha suavemente os olhos e se deleita com uma longa tragada.

– Soube que você se dedica ao estudo do Epicurismo de corpo e alma 24 horas por dia, eu disse.

– Ao estudo diria que dedico só minh’alma e manhãs. A tarde, jogo tênis. À noite, delíros. Pensando bem, acho que meus dias são compostos de 24 horas “epicuristas”: teóricas e práticas – explica, passando o baseado, com a marca e o provocante gosto de seu baton, para mim.

Toma um gole de dry martini e prossegue:
– Escrevo textos para revistas daqui e da França. Não me queixo da vida. Posso fazer o que gosto. Esta noite é o que eu chamo de “meta-delírio-triplo”. A gente está aqui no delírio do dry martini, do baseado, que antecede o delírio do jantar, que antecede o delírio dos Stones, que, sabe lá Deus, pode anteceder outros delírios, diz sorrindo e passando os dedos, úmidos e frios, do contato com o copo, na minha nuca e na de Luís.

– Que tal começar o jantar, ou melhor, o segundo ato do delírio?, sugere, sem jeito, Luís.

– Mais dry martini !

Eu e Gabriela falamos exatamente ao mesmo tempo. Rimos os três. Entrelaçamos os dedos minguinhos, como brincam as crianças, cada uma fez seu pedido, contamos até três, dissemos paf as duas ao desentrelaçarmos os dedos.

– Que ótimo, as duas falaram paf, os desejos de vocês vão se realizar. O que vocês pediram? – pergunta Luís.

– Fiz um pedido para nós três. Quando se realizar, agente vai saber que foi graças a ele. Sempre faço esse jogo e na única vez em que coincidiu de os dois dizerem a mesma coisa, eu tinha feito um super pedido que se realizou na mesma semana! – diz Gabriela.

Ela quer aprender a fazer Dry Martini e diz que me ensina a montar esculturas de casca de limão e azeitona.

Com cinco golpes, suaves porém decididos, prepara as azeitonas e as casca do limão; a mesma eficiência na montagem das mini esculturas. Tão rápido, que não aprendi nada.

Os Dry Martinis seguintes fiz lenta e didaticamente a pedido de Gabriela.

– É inacreditável que uma estudiosa de Epicuro, na teoria e prática , desconhecesse essa fórmula de fumo e Dry Martini como aperitivo. Agora sim, acho que já estamos todos com espírito e paladar preparados para o jantar.

A cada movimento na cozinha e na sala., percebia o profissionalismo do pessoal do Bufê . Grudado na porta da geladeira com um imã, um minucioso passo a passo, datilografado naturalmente, explicava como finalizar cada prato. A musse de salsão deveria ser tirado da geladeira 15 minutos antes de ser servida; o linguado na manteiga com camarão, alcaparra, batata cozida , cogumelo selvagem e arroz com ervas, já nos pratos individuais, esquentar 10 minutos no forno baixo.

Ponho a musse na mesa, abro a garrafa de vinho branco e seco, sirvo água mineral nos copos, vou à sala de visitas chamar Luís e Gabriela.

– Que mesa maravilhosa! Você dever ter tido um trabalhão para fazer tudo isso! – elogia Gabriela.

– Você nem imagina! Você nem imagina! Digo e viro o rosto na direção de Luís para me deleitar com seu sorriso cúmplice. Retribuo com uma rápida piscada e um beijinho no ar.

Luz na intensidade certa, música de câmara ao fundo, vinho datado na temperatura ideal, o sabor exótico da musse: perfeição a serviço do prazer. Gabriela admirava cada detalhe.

– Se vocês tivessem um livro para os convidados assinarem, descaradamente roubaria a frase que uma moça escreveu no livro do saudoso restaurante Pirandello: eu quero morar aqui!

Agradecemos o elogio e ela continuou:

– Sabem quem adoraria esse jantar? Epicuro! Imaginem, o homem iria enlouquecer nessa orgia de prazeres dos sentidos. Ainda com direito a Rolling Stones. Jamais ele voltaria pra Grécia depois de nos conhecer. Certamente acrescentaria no livro dos convidados, na frente do que eu escreveria: EU TAMBÉM!!! E assinaria.

Quando estou na cozinha esquentando o linguado, Luís vem pegar mais uma garrafa de vinho. Enquanto saca a rolha, vira o rosto para mim, me agradece pelo sucesso do jantar e me dá um beijinho na boca. Largo o que tinha nas mãos sobre a mesa, viro-me de frente para ele, abraço-o e damos um longo beijo. Excita-me o roçar dos meus seios em seu macio suéter de cashemere vermelho. Gabriela, da porta, nos observa:

– Eu também quero participar desse amorzinho!

Olhamos sorrindo para ela. Aproxima-se passa a mão em torno de nossas cabeças, dá um suave beijo em Luís e um beijo um pouco mais longo em mim, sua língua pressiona suavemente meus lábios e dentes. Entreabro a boca e nossas línguas se tocam por alguns segundos, ela passa a mão pelos meus cabelos e pescoço. Lentamente se afasta. Sorri. Desta vez, para minha agradável surpresa, Luís não fica sem jeito. Com naturalidade, sorrio. Aquela não era a primeira vez que uma mulher me beijava e, com toda certeza, não seria a última.

Volto para sala de jantar com o linguado. Rolling Stones eram o assunto. Conto que os Stones se apresentaram em várias cidades por onde passei, sempre poucos dias antes de eu chegar, ou uma semana depois de eu partir. Isso aconteceu mais ou menos umas dez vezes.

– Quando Luís me deu a notícia de que o jantar seria hoje, já estava imaginando que o destino queria que eu passasse minha vida toda sem usufruir o prazer dos Stones. Mas, graças a você, Gabriela, parece que vamos conseguir contornar os caprichos do destino. Obrigada. Viro-me para ela, fecho os olhos e mando-lhe um terno beijo de longe.

O linguado e a sobremesa, salada de frutas secas, com conhaque e sorvete de creme – especialidade minha – estavam perfeitos.

– Uma revista de faits divers – frescuras como eu chamo – me entrevistou perguntando qual cardápio escolheria para meu último jantar. Sushi, sashimi e doses reforçadas de saquê, respondi. Se me fizessem a mesma pergunta manhã, tenham certeza de que enumeraria todos os pratos e bebidas deste jantar deslumbrante. – diz Gabriela.

Assim que tomamos o último gole de vinho do Porto, levantei-me e disse:

– Let’ s go! Mick jagger waits for us!

Fomos no carro de Gabriela, um jaguar 2005 branco. Luís entrega os dois ingressos e quatrocentos dólares ao porteiro que, satisfeito, chama o maitre, passa-lhe 150 dólares, e manda que ele nos arranje uma boa mesa.

Melhor impossível: a mesa central da primeira fila. Ficaríamos a pouquíssimos metros dos Stones. Fomos ao banheiro retocar a maquiagem. Cheiramos quatro fileiras de coca sobre uma longa e fina lâmina de ágata preta com um mini cilindro de prata do arsenal que Gabriela trazia na bolsa. Traçamos a estratégia (infantil, mas poderia funcionar como ovo de Colombo).

– Ao delírio, ela diz, antes de abrir a porta do banheiro. Sorrio olhando fundo em seus olhos. Ela se aproxima. Como o show já estava começando, tínhamos certeza de que dessa vez nada iria interromper nosso beijo.

Voltamos ao salão. Tocavam uma balada lenta. Time is on my Side. Jagger, no primeiro momento, fuzila-nos com seu olhar e, em seguida, entre dois versos, diz, irônico, porem carinhoso: Wellcome. Com um pouco de vergonha, mas envaidecidas com o cumprimento, julgamos que essa passagem facilitaria o plano.

Pode parecer pretensão minha, mas, pelo menos em relação aos homens, sentia que Gabriela e eu roubávamos um pouco a atenção da platéia. Seu eu disser que até entre os Stones percebia-se uma certa fissura por nós duas, serei taxada de megalomaníaca? Mas era o que estava acontecendo. Keith Richards chega perto de Jagger, sussura-lhe algo nos ouvidos, e também nos cumprimenta. Sorrimos todos.

Por em prática a etapa seguinte, agora que o objetivo estava atingido, seria até covardia, mas éramos maquiavélicas.

Gabriela e eu nos entreolhamos. Com um sinal afirmativo, decidimos que o momento estava próximo. No intervalo entre as músicas seguintes, levantamos-nos e, lenta e sincronizadamente , tiramos nossos blasers. Platéia e Stones não desgrudam os olhos de nós duas por uns cinco minutos.

Durante o coquetel, eles cumprimentam, um a um, todos os presentes. Deixam nossa mesa por último. Jagger e Richards perguntam a Luís se podiam juntar-se a nós. Pedimos duas cadeiras ao garçon.

– And a bottle of Borbon, for us.

Não precisamos nem traduzir. Antes do show, os garçons haviam levado garrafas e garrafas de borbon para eles e toda a troupe.

Não se passaram nem quinze minutos, quando a conversa estava fluindo legal, Jagger é chamado pelo empresário para uma festa na casa da filha do patrocinador da turnê. Não esconde sua decepção:

– Todos na banda trabalhamos duro, mas os melhores frutos quem colhe são sempre eles quatro. Isto há quase trinta anos.

Colher frutos? – pensei. Tá certo que era o que eu e Elza desejávamos : transformar aquela noite num imenso pomar. Mas vai ser direito assim lá no primeiro mundo!

Jagger despede-se com um abraço em Luís, um beijo no rosto de Richards e de nós duas com fugazes, porém deliciosos, beijos na boca.

– Finalmente um carro de verdade – diz Richards ao ver o Jaguar de Gabriela. Pensei que aqui no Brasil só houvesse as carroças do Collor pro povão e esses carrinhos japoneses dos yuppies.

– Que tal mais rodada de salada de frutas e bebidas na casa de vocês? – sugere Gabriela.

Gabriela faz uma descrição tão entusiasmada de todo o jantar, sobretudo da salada de frutas, que Richards brinca.

– Vocês não sabiam que os carros ingleses voam nas horas de emergência. Isto é uma emergência, ele diz pro carro e ordena: Voe.

Gabriela acelera para voarmos “dentro da madrugada veloz” sobre a pista da Cidade Jardim.

Luís e eu voltamos para sala com a salada de frutas, Gabriela e Richards beijavam-se. Convidam-nos para sentarmos. Ela sugere um reforço de fumo para aguçar os sentidos.

– Eu sou um cara de sorte. Estou aqui com o que o Brasil tem de mundialmente famoso: suas mulheres e sua maconha.

Dá uma tragada, um beijo em Gabriela, nova tragada, e me beija com fissura. Ao mesmo tempo, Gabriela dá um longo beijo em Luís, que lhe acaricia os seios por dentro da roupa. Fingindo um pouco de indecisão , Gabriela tira a blusa. Antes de recomeçar a beijar meu namorado, aproxima-se de mim pelas costas e, dizendo querer solidariedade, também tira minha blusa e me dá um longo beijo na nuca acaricia-me os peitos e sussura-me aos ouvidos:

– Eu não disse que meus pedidos na brincadeira do pif-paf sempre se realizam.

Richards pega seu copo e brinda:

– Aos prazeres que Mick deve estar desfrutando na casa da filha do empresário!

Morremos de rir do seu sadismo.

Acordamos, os quatro na cama de Luís, às onze horas da noite do domingo.

Gabriela não parava de rir:

– Pretensiosa como ninguém, na minha cabeça, o Caetano tinha feito a música Totalmente Demais para mim. A partir de agora, vou passar a considerar mais essa hipótese.

Às gargalhadas, resumimos a música e traduzimos a teoria de Gabriela para ele, que emendou com uma dúvida :

– Me digam uma coisa, todas as noites de vocês são assim?

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FASCÍNIO PARTE 1 – RENATA: COMO TODAS GOSTARIAM DE SER E QUE

De 29.11.06

Episódio de Hoje

Começou Assim:

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Escrevi esse conto quando processo narrado estava se desenrolando. Renata não poderia ficar fora de momento tão crucial/ importante da história. Esse Paulo, jornalista brilhante, é meu conhecido desde os tempos de assembléias estudantis da USP. Trabalhamos juntos, por pouco tempo, na Folha Ilustrada. Ele realmente teve participação fundamental nesses acontecimentos. Os outros personagens conhecidos estão na história como meros personagens. Grande parte do que é narrado é pura ficção. A decisiva e deslumbrante presença da Renata deixou tudo isso ainda muito mais legal.

Um estudioso de mitologia, Propp – não sei se escrevi certo -, descobriu estrutura que se repete nas diversas histórias: o herói recebe determinada incumbência do rei – como matar um dragão , por exemplo, – viaja para um território/ reino vizinho, combate (e mata) o dragão, traz um pedaço do rabo do dragão para provar seu feito, é recebido com festas e se casa com com a filha do Rei.

E assim, no último capítulo, Renata é alçada à categoria de heroína mitológica da História Brasileira do final do sec. 20.
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Paulo já não usava mais a famosa camiseta listrada roxo e amarelo dos tempos da LIBELU, tampouco os cabelos até os ombros. Suas exc
entricidades agora eram outras. Nos períodos mais tensos do fechamento da revista, muitas vezes de madrugada, saía catando pelas redações da editora revistas femininas, de agro-pecuária, de turfe, de surf, infantis e masculinas. Fechava a porta de sua sala e passava a folheá-las lentamente. Dizia que isso lhe trazia soluções.

No dia do Plano Zélia, o velho Civita entra em sua sala e dá de cara com ele examinando a página central da Playboy. Lógico que o chefão não falou nada. Afinal, onde acharia outro parecido com Paulo?

A idéia de que seu correspondente deixasse escapar aquele peixão que acabara de fisgar o preocupava. Dezenas de revistas espalhadas por todos os lados já foram folheadas e nada aconteceu. A ansiedade só fez aumentar.

“Tenho apenas a Nova, o resto já vi tudo. Mas que besteira a minha deixar para último lugar uma revista com poucas fotos e muito texto. De texto e de falta de texto, estou cheio”, pensou.

Nisso, ele bate o olho no título da página e na foto da articulista: “Epicuro e o seu dia a dia”. A bela Renata sorria soberana e doce ao mesmo tempo sobre todas aquelas letras. Na mesma hora, reconheceu a caloura deslumbrante que sempre chegava a USP de Jaguar branco conduzido por motorista, quando ele fazia apenas uma ou duas matérias que ficou devendo desde o primeiro ano na Faculdade de Filosofia. “Não sabia que essa menina colaborava com a Nova”. Começa a ler o artigo. Quando terminou, não havia mais qualquer desordem sobre sua mesa; apenas a pasta contendo todos os trabalhos de Renata que o contínuo havia pegado no arquivo.

Devora os artigos e mil idéias vão surgindo: “gozado, pensei que além de mim mais ninguém soubesse escrever de forma inteligível naquela faculdade”, divertia-se com sua falta de falsa modéstia. A segunda idéia pôs em prática. Acordou a editora da Nova (bem feito, tá pensando que fazer revista feminina é só moleza???, pensou rindo do seu sadismo) para pedir o endereço de Renata.

Lembrou-se do que sempre falava para seu amigo: “Mello, conte até três antes de dizer ou fazer qualquer coisa, – até TRÊS MILHÕES!”. Ele não era o Mello e já foi discando para a Renata. Eram quatro da manhã. Afinal de contas, seu sexto sentido, que nunca o traiu, lhe dizia que Renata era a pessoa certa para a missão. Sua ansiedade para por em prática logo o plano não permitiu que ele esperasse mais um minuto.

– Não sei se digo boa noite, boa madrugada, se começo pedindo desculpas. Você não me conhece e vai me achar louco, disse sorrindo.

– Já que a desgraça está feita, o que o senhor deseja. Devo lhe tratar por senhor e empregar deseja, pois certamente se considera Deus para acordar uma desconhecida a essa hora sorrindo.

Ironias feitas, Renata aceita o convite e às 10 horas da manhã está entrando no Restaurante do Hotel Ca d’Oro para o café com Paulo que havia passado em casa, tomado banho, feito a barba e já aguardava por ela.

Embora o SNI não trabalhasse mais a todo vapor, por precaução, telefones de jornais, revistas, rádios, televisões continuavam censurados. Essa escuta era feita de maneira aleatória, muitas vezes informações assim obtidas eram usadas em chantagens. Um telefonema àquela hora sempre era atentamente escutado e gravado, pois podia garantir “negócios” futuros.

Esperto e sabendo como ninguém cativar as pessoas polindo seus egos, Paulo foi logo dizendo de suas lembranças de Renata do tempo da faculdade. Passou a elogiar os trabalhos dela publicados, que na verdade o agradaram bastante, e mostrou que os tinha lido todos.

Pronto, a guarda estava aberta para propor a grande tacada.

Renata ouviu todo o plano, fez algumas poucas ponderações e ficou de pensar na resposta.

– É lógico que você precisa de tempo. Às cinco horas da tarde eu ligo para saber a resposta.

Rindo, Renata disse que nunca tinha visto atrevimento igual.

– Atrevido, não. Eu sou audacioso, arrojado. Atrevido é adjetivo para Paulo Maluf.

Os dois se despediram rindo.

Três horas da tarde, Renata liga dizendo que preferia conversar pessoalmente na redação.

Na entrada da editora, é conduzida por uma jovem para o último andar. Renata estranha. Quando a porta do elevador se abre, Paulo e o velho Civita esperam por ela.

Na sala da presidência, o chefão pega um calhamaço e começa a resumir o extenso contrato que pretendia assinar com Renata. Ela estava consciente dos riscos que corria e já havia tomado a decisão.

Proposta: todas as despesas pagas, incluindo roupas, jóias, US$ 20.000 de pagamento se o desempenho de Renata não resultasse em qualquer matéria e garantia de advogado e hospitais se a coisa desse mais errado ainda. Caso o plano funcionasse, além dos US$ 20.000, 10% sobre o preço de capa de todos os exemplares vendidos. O cálculo era de aquela edição especial venderia no mínimo um milhão de exemplares. Renata receberia aproximadamente US$ 520.000.

Esses números reforçaram ainda mais sua decisão.

Dispensou o segurança, mas aceitou o 32 cano curto. Sabia usar bem essa arma e a única coisa que a aborrecia era ter que carregar bolsa para guardá-la.

Chegando em casa, liga para a mãe e conta que embarca no dia seguinte para o nordeste a trabalho sem dar maiores detalhes.

Chico Botelho, o correspondente da revista no nordeste, já havia plantado em vários jornais, inclusive nos de São Paulo, Rio e Brasília a notícia de que aquele empresário estava na Europa há mais de quinze dias. Logicamente, sua revista deu a notícia com destaque. O fato de ninguém imaginar que o empresário estava no Brasil facilitava um pouco as coisas.

Apesar de habilidoso e muito bem relacionado, Chico há alguns meses vinha tentando (e fracassado sucessivamente) convencer o empresário a lhe dar uma entrevista gravada contando tudo o que sabia sobre aquelas negociatas. O fax que recebeu de Paulo descrevendo os predicados de Renata o animou um pouco. Mas não muito. Teve o mesmo sonho dos últimos dois meses: a capa da revista que planejara para aquele número ia se apagando lentamente e em seu lugar surgia outra – uma foto de uma vasta mesa de piquenique e o título DOCES E SALGADOS.

O combinado era que Renata e Chico se veriam apenas o mínimo necessário para resolver o caso.

Renata chega ao aeroporto, aluga um carro. Vai para a casa de praia guiada pelo mapa e por uma minuciosa descrição do caminho. Era impossível não chegar. O correspondente da Quatro Rodas tinha pessoalmente redigido o roteiro e desenhado o mapa. Estranhou que aquela C14 conduzida por um loiro oxigenado que lembrava o jogador Marinho Chagas do Natal e da seleção brasileira a seguisse. Estava preocupada. A estrada fica deserta. Decide com frieza seu lance. Faz sinal para que a C14 passe. Breca seu carro. Sai. Com dois tiros fura dois pneus. Acelera. Desaparece.

Liga para Chico e resolvem mudar os planos. Duas horas depois embarca para uma ilha a cinco milhas do continente, onde os tios de Chico têm uma casa. O encontro será aí. Renata pede dois dias para descansar e se preparar. Um barco chega trazendo uma empregada, uma cozinheira, um segurança e todas as compras necessárias para o jantar com o empresário.

Renata descansa e Chico cuida de todos os detalhes.

Chico chega duas horas antes do empresário e quer montar alguma estratégia com Renata. Ela argumenta que já sabe o objetivo do encontro e que melhor era ir agindo de acordo com a situação, sem grandes planos pré-estabelecidos.

O vestido vermelho, com decote razoavelmente generoso, o singelo colar de pérolas, o cabelo longo, preto e liso e, sobretudo, a boca e voz de Renata fascinaram o empresário.

Ela, por sua vez, também o achou muito bonito e, à medida que as bebidas e o papo iam se sucedendo ficava cada vez mais impressionada com ele. Prudente, parou de beber após o terceiro uísque. Já estava descontraída e mantinha o controle total da situação.

Durante o jantar, propriamente dito, ela e Chico conduzem a conversa para as negociatas que estavam sendo feitas por todos os lados. Para impressionar Renata e demonstrar intimidade com o poder, o empresário vai fazendo relatos inacreditáveis.

Renata faz uma primeira tentativa direta de convencê-lo a dar uma entrevista para Chico. Insucesso.

Dá mais corda para ele enquanto pensa em novos argumentos. Chico desiste e decide ir embora. O empresário diz que vai junto, mas muda de idéia a pedido de Renata.

Sozinhos os dois, o empresário passa uma sutil cantada e tenta acariciar os cabelos de Renata. Ela se afasta. E resiste, apesar de estar a fim. Lembra-se do provérbio: onde se ganha o pão, não se come a carne e muda o rumo da conversa.

Percebendo a vaidade e o ciúme que ele tinha do seu parente famoso, diz fingindo despretensão.

– Curioso, tem muita gente que poderia entrar para a história e deixa a oportunidade passar sem se dar conta disso.

Ele não entende.

– Você mesmo, se desse uma entrevista para a gente, contando tudo isso, entraria para a história. De certa forma, até como herói que ousou desafiar os mais poderosos em nome da honestidade.

– Entrar para a história não me interessa, o que quero é viver em um país mais honesto.

Além de bonito, ainda sabe mentir o danadinho, pensou rindo por dentro e sentindo que a coisa estava bem encaminhada.

– Pois então, concorde com a entrevista e você estará colaborando para um país mais honesto.

– Você me convenceu. Eu topo.

O empresário vai embora. Eram três horas da manhã. Ela pega o telefone:

– Não sei se devo dizer boa noite ou boa madrugada, fala Renata repetindo a primeira frase que Paulo lhe disse.

– Como é doce o sabor da vingança, não é Renata?

– Convenci o homem a dar entrevista. Amanhã à tarde, eu e o Chico estamos aí com ele.

Durante cinco horas, o empresário é entrevistado em São Paulo, por Chico, Renata, Paulo e o editor chefe da Revista.

Dois dias depois, no fim da tarde, Renata liga para o empresário e diz que deixaria na portaria do hotel, o mesmo Ca d’Oro, um exemplar da revista que ela acabara de receber. Ele sugere um jantar no restaurante do hotel. Para ela, aquele era um dos melhores restaurantes do mundo. Adorou a idéia.

– Venha com aquele vestido vermelho, pediu ele.

Com a sensação de dever cumprido, a conta bancária mais gorda, Renata estava ainda mais deslumbrante.

No restaurante folheiam a revista, conversam muito, comem divinamente e bebem legal.

– Que tal um Vinho do Porto no meu apartamento?, ele propõe.

Ela pensou: ganho o pão, come-se também a carne.

Entre os lençóis, a revista com a foto dele na capa e o título: “Pedro Collor Conta Tudo”.

FASCÍNIO PARTE 1 – RENATA: COMO TODAS GOSTARIAM DE SER QUE T

De 22.11.06

EPISÓDIO DE HOJE –
“QUEM VÊ OLHOS, TAMBÉM VÊ CORAÇÃO”

Nessa época, graças a Deus, ainda não havia celular. Se houvesse, muitíssimo provavelmente, a Renata não teria. Medonho era personagem de um conhecido meu. Medonho, uma semana antes, havia feito um galanteio grosseiro para cima da Renata. Dei o troco.

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Lá vai o conto:

Quatro e meia da manhã. O telefone toca. Renata foi dormir às dez horas, mas fazia apenas quinze minutos que tinha conciliado o sono. Ouve atentamente e anota o endereço. Salta da cama. Uma hora depois, chega ao local.

Impossível. Tinha muita gente e o trânsito logo mais ficaria congestionado em toda região. Nem adiantava convocar os outros.

Era a quinta tentativa frustrada só nos últimos vinte dias. Já fazia três meses que a batalha de Renata começara e ela não via perspectiva a curto prazo. Mas jurou que não seria vencida pelo cansaço. Poderia até mesmo arruinar-se, porém estava obstinada. Nada iria detê-la.

Nove dias depois, numa segunda-feira, Renata acorda com um bom pressentimento. Afinal, era véspera do aniversário de Felipe, seu afilhado, filho de Silvia, amiga de muitos anos.

Às onze horas da noite seu bip dispara. Pega o recado.

“O dr. Reinaldo manda dizer para dona Renata que desta vez não tem erro. O endereço é Rua Rosa Amarela, 57, travessa da Av. Casa Verde, altura do nº 710”.

Antes de partir, liga para Ana que cuidaria de avisar todo o pessoal.

Na rua Rosa Amarela, as casas eram modestas e o movimento praticamente nulo, no dia seguinte todo mundo acordava cedo para trabalhar. Até o bar estava fechado quando Renata chegou.

Quase toda equipe já estava a postos:

O dr. Reinaldo e seus dois assistentes, Emílio – velho motorista da família e sua perua Chevrolet branca; os dois cabos fardados e Roberval, o tira malandro que o general Alípio havia prometido.

Faltava apenas Medonho, sempre irresponsável e atrasado. Mas como ele não participaria da primeira etapa, deram a partida.

Roberval entra na sala, chama os donos da casa. Impecavelmente vestido, com a lábia típica dos bons investigadores de polícia, apesar das circunstâncias embaraçosas, explica:
– Eu sinto muito mesmo. A situação é constrangedora. Sei que ele era o único filho de vocês. Mas tenho que levá-lo, pois existem sérias suspeitas e ele ainda será submetido a outros exames. Os senhores sabem, ordens são ordens. E no exército a gente prefere enfrentar o diabo a descumprir a ordem do nosso coronel, diz apresentando o falso requerimento assinado com o nome de um coronel fantasma, morto na Revolução de 32.

A situação era absurda, mesmo assim os outros poucos amigos e parentes, atônitos, convencem os pais do menino a concordar com o que o general tinha determinado.

Percebendo que o plano já estava em andamento, Medonho fica esperando na calçada, onde permaneceria até seu bip tocar novamente. Só deveria abandonar o posto para telefonar, caso surgisse algum imprevisto. Ele ainda ajudou acomodar tudo na parte traseira da perua de Emílio.

Do orelhão da esquina, Renata liga para Sílvia.

Três horas depois, Felipe, que havia sofrido um sério acidente em uma prova do campeonato mundial de skate na Califórnia, acorda da anestesia e diz:
– Tia Renata, acho que sou a única pessoa do mundo que ganhou de presente de aniversário uma córnea roubada. Eu adoro você!!!!!!!!!!!!!

Devolver o cadáver aos seus legítimos donos não foi difícil.

Renata dorme vinte quatro horas seguidas. Acorda com murros na porta do seu apartamento:

– Polícia!

Renata abre. Um delegado, quatro soldados e, com eles, toda equipe dela presa.

Na noite seguinte a do roubo do defunto, Medonho é apanhado pela polícia fumando maconha e cheirando cola em um show de metaleiro. No pulso, uma pulseira ordinária folheada a ouro com o nome completo do defunto. Medonho entrega todo mundo.

Renata liga para dr. Antonio Sampaio, um dos maiores criminalistas do Brasil.

Na delegacia, orgulhoso de ter desvendado aquele mistério e já sonhando com promoções e aumento de salário, entrevistas para rádio, jornais e televisão, o delegado Pinheiro fazia o B.O. quando chegam o dr. Sampaio e dois jornalistas:

– Delegado Pinheiro, o pobre defunto não entrou só com a misera córnea nessa história toda – diz o advogado.

– Como assim? – Pergunta, confuso, o delegado.

– Ora, seria um desperdício devolver pro caixão um defunto apenas sem uma córnea. O dr. Reinaldo mantém no congelador da clínica de um colega dele dois rins, o fígado, a medula, a outra córnea e também o coração. Caso o senhor insista em fazer o B.O. e mantê-los presos, tudo isso vai virar comida de cachorro. Sua imagem, que já não é muito boa, ficará arruinada.

– Nosso jornal até já está preparando uma matéria com o rapaz que vai receber a medula, com a freira que vai ficar com a outra córnea, com o poeta que está à beira da morte com cirrose que ficará com o fígado e com o garoto da mesma idade que precisa receber novo coração – intervém um dos jornalistas.

Inconformado, o delegado Pinheiro rasga o B.O.

FASCÍNIO PARTE 1- RENATA: COMO TODAS GOSTARIAM DE SER E QUE

De 14.11.06

Episódio de hoje: “ALÇADO E BELO”

Adoração. É o que Renata sente por São Paulo. Sobretudo pelas imagens noturnas que a cidade proporciona aos que sabem apreciá-la. Aquela longa linha de luz branca de mercúrio que começa na Augusta com a Paulista e vai até onde a vista alcança é indescritível. O largo do Paissandu, o Ponto Chic, o bauru, o chope. A praça Charles Muller com o Pacaembu ao fundo, quantas emoções não foram aí vividas!? As casas penduradas nas encostas dos morros sobre a avenida Pacaembu (ah, como deveria ser bonito o rio que por ali passava e que todo janeiro parece querer ressuscitar e recuperar esses anos em que esteve enterrado!). Para ela, emoção, paixão, adoração traduzem São Paulo.

Essa paixão não a cega a tal ponto negar as paisagens do Rio de Janeiro. Como todo mundo, fica deslumbrada com aquela beleza natural, eterna e gratuita. Mas de uns três anos para cá, está percebendo que, ao deixar o Rio, é tomada por um leve sentimento de frustração que não sabe descrever.

Uma tarde azul em São Paulo vê um urubu no céu e se lembra da frase de Paulo Mendes Campos no seu livro de gramática do ginásio exemplificando conjunção adversativa: “o urubu é ave feia mas possui um vôo alçado e belo”.

Repete mentalmente e se coloca no lugar do urubu planando no céu. Fica imaginando se o urubu se dá conta da beleza do vôo e se usufrui desse poder que a natureza lhe deu.

O pensamento, que estava tranqüilo, se agita: o vento, o mar batendo nas rochas, os meninos de asa delta… “Tá aí a causa da minha frustração toda vez que saio do Rio!”

Dois dias depois.

Uma rápida e decidida corrida e pronto. Renata e seu amigo, Pepê Silveira, campeão mundial de asa delta, planam sobre todos e todas as coisas. Um pouquinho apavorada, olha para Pepê e sorri. O primeiro momento é de preocupação. A plataforma ficou cem metros para trás e o chão, duzentos metros abaixo. Dois minutos depois, realiza que está voando exatamente como o urubu da sua tarde e do Paulo Mendes Campos – um vôo alçado e belo.

Para ela tudo era muito mais – a vista inusitada, a sensação em si, novamente a lembrança do urubu e da dúvida: ele se dá conta da beleza do vôo que desenha no céu e desse privilégio??? Esperava que sim. Pois ela estava vivendo os melhores momentos de sua vida. Imaginou outra frase para livros de gramática, agora exemplos de conjunções aditivas: a Renata é feliz e também possui um vôo alçado e belo. A alegria e felicidade desse instante poderiam apenas se comparadas às que sentia nas noites de Natal. Tentou falar isso ao seu amigo durante o vôo. Queria compartilhar emoções. Como fosse impossível conversar, guardou para si seus pensamentos. Passando próximo às janelas dos prédios, imaginou que Papai Noel deveria abandonar os trenós e também usar asa delta. Pena que Papai Noel não existisse, ele iria adorar! Era até bom não poder conversar naquelas circunstâncias. Se contasse esses pensamentos, Pepê imaginaria que ela tinha fumado antes de saltar e ficaria apavorado. Como ela era feliz nesses instantes e com esses pensamentos malucos nesses instantes!

Aterrissagem perfeita.

No bar, tomando chope, Renata diz para o amigo que, para compensar a recente morte de Papai Noel, todos os finais de ano dará um salto de asa.

APRESENTAÇÃO FASCÍNIO

De 10.11.06

Para o saudoso Samir Meserani e Erson Martins, mestres queridos

Há cerca de quinze anos, escrevi um quarto de dúzia de contos e uma série de casos curtinhos que chamei de Cenas. Encadernei tudo e dei o nome para a brochura de Fascínio.

Embora seja/fosse um trabalho legal, nunca tive a pretensão de publicar. O Blog/o meu Boca no Trombone me fizeram mudar de idéia.

A Primeira Parte do trabalho são quatro histórias, quatro episódios na vida da Renata, minha personagem, uma verdadeira heroína. Linda, rica, deslumbrante, inteligente, corajosa e, paradoxalmente, mimada. Essas qualidades são tão marcantes na Renata que, depois do trabalho concluído, fiz uma epígrafe (slogan) para ela. É assim:

RENATA: COMO TODAS GOSTARIAM DE SER E QUE TODOS GOSTARIAM DE TER

A segunda parte – Cenas – são histórias até ingênuas e rapidinhas sobre os mais diversos assuntos.

Para terminar, o conto MUITO ALÉM DO JANTAR com um pouco de sexo, drogas e rock&roll. Esse texto foi escrito uns cinco anos antes do episódio central acontecer aqui no Brasil.
Uma amiga estava produzindo uma espécie de sarau e pediu que as pessoas lhe enviassem seus escritos. Mandei o meu Muito Além do Jantar. Como era trabalho para ser lido em público e que talvez pudesse ser publicado, escrevi uma nota introdutória explicando e deixando bem claro que era mera ficção e que usei os nomes verdadeiros dos principais personagens porque, por mais que minha imaginação fosse fértil, eu nunca conseguiria criar perfis tão bem acabados para o meu objetivo. Minha amiga leu a explicação e, inconformada, me ligou:

– Ah, que pena – eu achei que era tudo verdade!!!!!!!
Espere para ler o conto e veja se você também iria querer que fosse verdade .

Detalhe: uma das heroínas desse episódio – MUITO ALÉM DO JANTAR – tem o mesmo carro e se dedica ao mesmo filósofo da Renata. Seria simples corrigir isso, mas tive e, pior, tenho preguiça.

Ao longo desses textos fui batizando personagens com nomes de pessoas queridas: o advogado Antônio, homenagem ao meu atuante advogado e amigo Antônio Arruda Sampaio; Chico Botelho, saudoso professor de Cinema e Fotografia da ECA; a heroína Renata, nome de três amigas, e Felipe, meu sobrinho adotivo querido. Não, o Felipe não é filho adotivo de irmã/irmão meu; eu que o adotei como sobrinho – suponho que ele também tenha me adotado como tio.

Minha idéia é nas próximas quintas ou sextas-feiras publicar ou – repetindo minha gracinha – como dizem os analfabetos pretensiosos contemporâneos – estar publicando um capítulo do Fascínio.

Quando houver necessidade, mando antes uma nota elucidativa. Ficamos, pois, combinados: quinta/sexta sim, outra também, no próximo mês e meio, tem Fascínio botando a Boca no Trombone.

Como se não bastasse novela das oito, episódios no Boca no Trombone para seguir. Minha pretensão/arrojo não tem (têm) limites: querer me comparar à novela das oito.

Para concluir, o óbvio: eu prefiro meus contos à novela das oito, das seis, das sete, das dez….

FASCÍNIO PARTE 1 – RENATA COMO TODAS GOSTARIAM DE SER E QUE

De 28.09.06

Em meados da década de 60, famosa cantora brasileira me contou dado curioso da infância/adolescência dela. Usei a idéia para fazer o conto abaixo.

Episódio de Hoje “ANTES TARDE DO QUE CEDO”

O sonho longo demais se desfazia diante dos meus olhos e no meu coração. (E quem quer acordar de um sonho bom?) Aquele gesto estúpido de Débora despertou tanto ódio dentro de mim como se ela tivesse metralhado um parente querido. Afinal, metáforas à parte, era exatamente o que ela tinha feito. Continuo sua amiga, mas até hoje sinto grande desconforto toda vez que me lembro.

Dia 24 de dezembro à noite. Como naqueles treze anos, a agradável rotina da noite de Natal se repetia. Apenas uma incômoda novidade: o olhar maroto de Débora a me desafiar e zombar de mim. Sentia que ela tinha um curinga escondido. A segurança dela era tal, que começava a ficar preocupada. O show do Roberto Carlos que eu sempre curtira com imenso prazer após o banho e a estréia de um novo vestido, agora, sob a vigilância de Débora, já não despertava a mesma emoção.

Procurava mostrar-me segura e feliz. Mas a superioridade e a certeza de Débora eram de tal forma absolutas que tudo causava em mim o efeito inverso do desejado. O peru de Natal, com farofa, arroz e frutas, que sempre comia acompanhado de uns três copos de vinho tinto para potencializar o meu prazer, não era mais a mesma delícia. O vinho então nem se fala: sempre aguçara o meu prazer; naquela noite, potencializou minha insegurança e incerteza. Olhando para Débora, firme como nunca, percebia que nela, ao contrário, o vinho arraigava mais e mais o sentimento de vitória.

Na hora dos cumprimentos, pouco antes da chegada de Papai Noel, sentia que cada um dos amigos-tios ao me beijar, estava, de certa forma, se despedindo da Renata – menina alegre e ingênua – de quem eu relutava me desvencilhar. Todos perceberam que a presença de Débora ali não era aleatória.

Sempre fora ingênua, porém intuitiva. E o jeito maroto de Débora estava me deixando tensa e ansiosa. Se alguma coisa ruim tivesse que acontecer, que fosse logo, que eu não tivesse mais que ver Débora nos cantos da minha festa zombando de mim. Mas não. Todos sabiam que eu gostava do ritual e ele foi mantido exatamente como há treze anos.

O peru, como acompanhamentos, a sobremesa, os meus três copos de vinho tinto e… Papai Noel.

Ele surgiu. Lindo e doce como sempre, impecavelmente com suas roupas vermelhas, sua barba e cabelos brancos e seu imenso saco de presentes. Pronto, minha confiança estava restabelecida. Olhei vitoriosa para Débora.

Sempre sorrindo irônica para mim, Débora esperava até meu décimo presente. Mal tinha acabado de desembrulhar o mini jet-ski, ela salta na frente do Papai Noel e, ao mesmo tempo, com cada uma das mãos, arranca-lhe barba e capuz.

Ao ver surgir diante dos meus arregalados olhos o velho Sebastião, marido da negra Dete, cozinheira da família há mais de quinze anos, permaneço lívida, incapaz de qualquer reação.

Até hoje, algumas vezes quando estou com Débora e, em todas as noites de Natal, invariavelmente, lembro-me de sua crueldade ao fuzilar Papai Noel para sempre de minha vida.